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Afinal, quem tem direito sobre a imagem do Pão de Açúcar?

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Por CAROL BASSIN e LETÍCIA SOSTER ARROSI

Publicado em 19/12/2023 às 22:00

Alterado em 19/12/2023 às 22:00

Bondinho do Pão de Açúcar Tomaz Silva/Agência Brasil

Fonte de inspiração para diversas expressões artísticas nas últimas décadas, um dos principais cartões postais do Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar tornou-se, recentemente, objeto de polêmica jurídica, ainda que aparentemente sem fundamento.

O imbróglio iniciou-se a partir de uma postagem do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS) nas redes sociais para promover o seu programa de fellowship em 2024, com uma foto do Bondinho do Pão de Açúcar, importante ponto turístico da Cidade.

A publicação tornou-se alvo de impasse, uma vez que os administradores do Parque Bondinho Pão de Açúcar entenderam ter existido “aproveitamento parasitário e uso indevido de sua propriedade intelectual e imagem”. Aqui vale consultar a doutrina jurídica para entender o conceito de "parasitismo”.

Barbosa (BARBOSA, 2003, p. 274) explica o parasitismo da seguinte forma: o ato de uma empresa ou alguém usar “a boa fama da outra para conseguir vantagem econômica para atuar num mercado ou segmento de mercado em que a detentora da boa fama não compete” [1].

Em primeiro lugar é necessário entender que o direito de imagem é um direito constitucional, art. 5º, X da Constituição Federal, atrelado às pessoas, sejam físicas ou jurídicas. Logo, podemos dizer que a imagem retratada, a paisagem natural, pertence ao Rio de Janeiro, pessoa jurídica de Direito Público, e não às empresas privadas proprietárias da máquina do teleférico e administradoras da atração turística. O Pão de Açucar, inclusive, é considerado Patrimônio Cultural da Unesco.

Mas, ainda que a imagem da paisagem onde se encontra o bonde fosse direito das empresas privadas, o direito de imagem é limitado frente às outras garantias constitucionais, direitos fundamentais como o exercício profissional; a expressão da atividade artística, art. 5º, XIII, IX da Constituição Federal e da própria criação e expressão artística, art. 220 da Constituição Federal. Ou, se fosse o caso, e já no âmbito de propriedade intelectual, de as empresas privadas estarem reclamando pela reprodução de qualquer obra intelectual de sua titularidade, a fotografia em questão, por retratar um local público, não configuraria em tese uma violação aos direitos autorais.

É o que diz o art. 48 da Lei nº 9.610/98 que determina que “as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais”.

Vale lembrar que as fotografias são consideradas obras artísticas e são protegidas pela Lei de Direitos Autorais, no art. 7º, VII e no art. 79 da mesma lei. Assim, quando uma foto é tirada, surge o direito do autor, o fotógrafo, sobre ela.

A obra é de quem a criou, e ele pode fazer o que quiser com ela, ou seja, reproduzi-la e/ou colocá-la à venda, desde que respeite as restrições referentes aos retratos (ou seja, o direito de imagem da pessoa retratada – neste caso, a paisagem do Rio de Janeiro, direito de imagem da pessoa jurídica de Direito Público e patrimônio cultural tombado).

Logo, não tem fundamento jurídico o entendimento de que o ITS teria buscado “parasitar” na reputação das empresas administradoras do bondinho simplesmente porque da parte delas não existiu nenhuma obra intelectual, elemento distintivo ou imagem da qual o referido Instituto se utilizou. A imagem (fotografia) pertence ao fotógrafo, ao Rio de Janeiro e à humanidade. E, caso a fotografia tenha sido encomendada, adquirida ou licenciada ao ITS, seu uso é plenamente legítimo.

Como eternizou o inigualável Gilberto Gil, o “Rio de Janeiro continua lindo” e suas imagens emblemáticas permanecem livres e nossas.

 

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral.

Letícia Soster Arrosi, Advogada doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual.

 

Nota
[1] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 274.

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