JUSTIÇA

Supremo mantém nulidade de provas obtidas em busca domiciliar sem mandado judicial

Segunda Turma reafirmou que o ingresso em domicílio exige demonstração de razões que indiquem a ocorrência do crime.

Por JB JUSTIÇA
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Publicado em 01/05/2024 às 07:41

Alterado em 01/05/2024 às 07:41

Ministro Gilmar Mendes Fellipe Sampaio /SCO/STF

Em cinco recursos analisados na sessão virtual encerrada em 26/4, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a nulidade de provas obtidas em decorrência do ingresso irregular no domicílio dos investigados.

O colegiado reafirmou a jurisprudência do Tribunal, fixada no Tema 280 da repercussão geral, de que a entrada policial forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em razões que indiquem, de forma concreta e justificadas posteriormente, a ocorrência de crime.

Flagrante
Os recursos extraordinários foram interpostos por Ministérios Públicos estaduais contra decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que também aplicaram o entendimento do Supremo.

Nos casos analisados, os policiais entraram nas residências ou após denúncia anônima ou depois de apreenderem drogas com os investigados, sem indícios concretos de que outros crimes estariam ocorrendo nos locais.

Jurisprudência
Prevaleceu no julgamento dos recursos o voto do ministro Gilmar Mendes, relator, que constatou a conformidade dos acórdãos do STJ com a jurisprudência do STF.

 


Em 2015, Supremo definia limites para entrada da polícia em domicílio sem autorização judicial. Leia reportagem

05/11/2015

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na sessão desta quinta-feira (5), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 603616, com repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, firmou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

A tese deve ser observada pela demais instâncias do Poder Judiciário e aplicadas aos processos suspensos (sobrestados) que aguardavam tal definição. De acordo com o entendimento firmado, entre os crimes permanentes, para efeito de aplicação da tese, estão o depósito ou porte de drogas, extorsão mediante sequestro e cárcere privado, ou seja, situações que exigem ação imediata da polícia.

O inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. No recurso que serviu de paradigma para a fixação da tese, um cidadão questionava a legalidade de sua condenação por tráfico de drogas, decorrente da invasão de sua casa por autoridades policiais sem que houvesse mandado judicial de busca e apreensão.

Foram encontrados 8,5kg de cocaína no veículo de sua propriedade, estacionado na garagem. A polícia foi ao local por indicação do motorista de caminhão que foi preso por transportar o restante da droga. De acordo com o entendimento majoritário do Plenário, e nos termos do artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), ter entorpecentes em depósito constitui crime permanente, caracterizando, portanto, a condição de flagrante delito a que se refere o dispositivo constitucional.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a busca e apreensão domiciliar é claramente uma medida invasiva, mas de grande valia para a repressão à prática de crimes e para investigação criminal. O ministro admitiu que ocorrem abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada quanto na execução da medida – e reconheceu que as comunidades em situação de vulnerabilidade social muitas vezes são vítimas de ingerências arbitrárias por parte de autoridades policiais.

Embora reconheça que o desenvolvimento da jurisprudência sobre o tema ocorrerá caso a caso, o relator afirmou que a fixação da tese é um avanço para a concretização da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio. “Com ela estar-se-á valorizando a proteção à residência, na medida em que será exigida a justa causa, controlável a posteriori para a busca. No que se refere à segurança jurídica para os agentes da Segurança Pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência venha a fracassar”, afirmou. O ministro explicou que, eventualmente, o juiz poderá considerar que a invasão do domicílio não foi justificada em elementos suficientes, mas isso não poderá gerar a responsabilização do policial, salvo em caso de abuso.

Dessa forma, o relator votou pelo desprovimento do recurso interposto pelo condenado contra acordão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ-RO).

Divergência

O ministro Marco Aurélio divergiu do relator para dar provimento ao recurso e absolver o condenado, por entender não caraterizado o crime permanente, e também por discordar da tese. “O crime teve exaurimento quando um dos corréus foi surpreendido conduzindo o veículo e portando a droga. Não se trata de crime permanente”, entendeu o ministro.

“O que receio muito é que, a partir de uma simples suposição, se coloque em segundo plano uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade do domicílio", afirmou. "O próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, mas o policial então pode – a partir da capacidade intuitiva que tenha ou de uma indicação –, ao invés de recorrer à autoridade judiciária, simplesmente arrombar a casa?”, indagou. (com Ascom/STF)