Policial da Rota fez ‘cobertura’ e contagem irônica de mortos na chacina do Guarujá
Em coletiva, governador Tarcísio de Freitas disse que mortes ocorreram durante confrontos, mas celebrações de agentes refutam declaração
Após o assassinato do policial militar Patrick Bastos Reis, de 30 anos, soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), uma força especial da PM de São Paulo, ocorrido na última quinta-feira (27), no bairro Vila Zilda, no Guarujá, agentes de diferentes batalhões promoveram uma "vingança" com pelo menos oito mortos nas favelas da cidade litorânea, por meio da Operação Escudo, desencadeda para identificar, localizar e prender os suspeitos do crime.
A Ouvidoria das Polícias disse ter identificado dez mortes, embora o Governo cite oficialmente oito, que, segundo argumento do governador Tarcísio de Freitas (Republicano), ocorreram em "confrontos".
"A partir do momento em que a polícia é hostilizada, a partir do momento em que a autoridade policial não é respeitada, infelizmente há o confronto. A gente não deseja o confronto de jeito nenhum. Tanto é que tivemos 10 prisões. Aqueles que resolveram se entregar à polícia foram presos. Não houve hostilidade. Não houve excesso. Houve uma atuação profissional", declarou Tarcísio.
A manifestação de Tarcísio é refutada pelos próprios policiais envolvidos na matança. O clima dentro da corporação é de revanchismo. Postagens que mostram cenas da operação na cidade litorânea são acompanhadas de uma trilha sonora que diz: "Hoje as pessoas vão morrer/ Hoje as pessoas vão matar/ O espírito fatal/ E a psicose da morte estão no ar”. A publicação foi compartilhada pelo cabo Silvino Martins Santos, pelo soldado Diogo Raniere Rodrigues Lima e pelo ex-PM e candidato derrotado a deputado estadual Luiz Paulo Madalhano Magalhães.
No decorrer da operação, PMs também atualizavam o "placar" de mortes. Diogo Raniere Rodrigues Lima, que tem quase 30 mil seguidores no Instagram, atualizou o número de pessoas assassinadas em tempo real. No sábado, por volta das 22h, ele postou uma imagem com uma caveira com a boina da Rota e a frase "atualizando: são -9" ao lado da imagem de um caixão.
Na manhã deste domingo, às 10h, o perfil voltou a ser atualizado: "Para o conhecimento: atualizando o placar até o momento 12x1. Mais um vagabundo para a pedra...Por volta das 08h de hoje na Vila Edna."
A chacina - e a contagem - só terminou quando Erickson David da Silva, o "Deivinho", conhecido como o "sniper do tráfico", apontado como autor do disparo que matou o soldado Patrick Reis, se entregou na noite deste domingo (30). Ele foi aconselhado por um advogado a mostrar o rosto e pedir para que a matança acabasse. O pedido foi feito publicamente pelas redes sociais, em postagem em que Erickson também se declara inocente.
"Eu quero falar para o Tarcísio e o (Guilherme) Derrite (secretário de Segurança Pública) parar de fazer a matança, matando uma pá de gente inocente, querendo pegar minha família, sendo que eu não tenho nada a ver, estão me acusando aí, eu vou me entregar, não tem nada a ver”, afirmou.
Relatos de terror
O JORNAL DO BRASIL teve acesso a áudios em que moradores do Guarujá afirmam que agentes da Rota encapuzados invadiram casas nas comunidades. Segundo os relatos, os policiais também teriam torturado um dos mortos, que estaria com marcas de queimaduras de cigarro no corpo. Moradores acusam ainda os policiais de terem forjado flagrantes. Outro relato é de que uma das vítimas mortas seria uma pessoa com esquizofrenia.
"Eles [policiais da Rota] andam de capuz pelas vielas, estão matando primeiro para perguntar depois. Igual fizeram com um moleque que estava indo no mercado. O moleque gritava 'pelo amor de Deus', e bateram no menino, todo mundo ouviu aqui. Mataram o menino e levaram o celular dele. Menino inocente, isso não pode", afirmou um morador.
Outro morador da região teve o primo assassinado na madrugada do último sábado (29) e afirmou que "a Rota sitiou a favela e já matou nove pessoas, inclusive um cara com um bebê de oito meses no colo."
"Estou aqui no velório do meu primo, mas não tive nem coragem de ver o corpo dele ainda, os caras torturaram o moleque, queimaram ele de cigarro, forjaram ele, falando que ele tava com drogas e arma, mas ele não tinha nada", acusou o morador.
Moradores da Vila Edna e da Vila Zilda relataram, em outros áudios que circulam por Whatsapp e em denúncias colhidas pela Ouvidoria, que as comunidades estiveram sob terror, que policiais ameaçaram matar 60 pessoas.
'Estou muito satisfeito', diz Tarcísio
Durante coletiva, Freitas afirmou estar “extremamente satisfeito com a ação da polícia”, da qual ressaltou o que considera “profissionalismo”. Segundo a Ouvidoria das Polícias, os agentes do Estado mataram 10 pessoas. Já o governador afirmou terem sido oito. Nas redes sociais, policiais militares celebram até 14 assassinatos.
Com cerca de três mil policiais militares de 15 batalhões, a Operação Escudo está deflagrada na Baixada Santista desde a última sexta-feira (28), como resposta à morte do soldado Patrick Reis, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na última quinta (27).