Estudo com dados de 101 países aponta danos do álcool à saúde mental

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Por SAÚDE JB

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Por Tâmara Freire - Um novo estudo de pesquisadores canadenses analisou os resultados de 13 pesquisas anteriores, com dados de 101 países, e reforçou os perigos do álcool para a saúde mental e sua contribuição para casos extremos de autoagressão. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil neste Setembro Amarelo apontam a necessidade de acolhimento e escuta de pessoas que atravessam questões de saúde mental e situações de sofrimento, além de uma perspectiva de redução de danos para a diminuição da ingestão de álcool e políticas públicas que desestimulem esse consumo. 

Os pesquisadores apontam que, nos países estudados, cada litro no consumo médio de álcool nas populações está associado a um crescimento de 3,59% na taxa de mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes, segundo metanálise publicada em uma das revistas da Associação Médica Americana

A pesquisa defende que essas mortes podem ser evitadas por meio de uma combinação de intervenções em nível individual e populacional, e que os dados podem ajudar a formular políticas públicas de prevenção, relacionadas ao consumo de álcool. 

A psiquiatra Alessandra Dielh, integrante do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, também investigou o tema durante o seu mestrado. Ao entrevistar pessoas internadas após uma tentativa de suicídio, ela identificou que 21% delas ingeriram álcool antes da autoagressão.

Muitas delas não eram alcoolistas, propriamente ditas, mas o consumo de álcool era como um disparador para a tentativa. E entre aqueles que realmente têm dependência, essa associação também foi significativa, complementa. 

De acordo com a diretora da Associação Brasileira de Psiquiatria, Miriam Gorender, isso demonstra a amplitude dos efeitos danosos do álcool sobre a saúde mental: 

Não é só a dependência em si, mas o próprio uso agudo do álcool vai agindo ao longo do tempo, e o que ele corrói não volta. Ele provoca sequelas e um sem número de complicações, incluindo a alteração do funcionamento cerebral".

"Um efeito fundamental do álcool é que ele é um depressor do sistema nervoso central. Se a pessoa tem alguma tendência à depressão e faz uso abusivo do álcool, aumenta o risco de desencadear uma depressão. Se a pessoa já tiver depressão, então, ela vai piorar, explica a psiquiatra.

No entanto, Miriam explica que muitas pessoas são enganadas pelo efeito estimulante e relaxante inicial do álcool e demoram a perceber os efeitos do rebote. 

Onde buscar ajuda

Pessoas que estejam sofrendo com ideações suicidas ou outras emoções desafiadoras ou que tenham problemas decorrentes do consumo de álcool podem procurar ajuda nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e Unidades Básicas de Saúde. 

Em situações de emergência, também é possível pedir ajuda nas Unidades de Pronto Atendimento e hospitais, ou acionando o SAMU 192.

Além disso, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional para a prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária e gratuita todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, pelo número 188, e também pela internet, no site 

Além disso, dados da OMS e do Ministério da Saúde mostram a dimensão do problema do álcool no Brasil. Em 2019, a quantidade de álcool consumida por pessoa foi 7,7 litros, bem acima da média mundial de 5,5 litros. Além disso, o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, identificou que mais de 20% dos adultos do país faziam uso abusivo de álcool no Brasil em 2023. 

O Brasil tem como meta reduzir essa proporção para 17% até 2030. Para a psiquiatra Alessandra Dielh, isso depende de decisões políticas difíceis. 

A gente tem uma indústria do álcool muito poderosa, que interfere nas políticas públicas brasileiras. A gente não tem mais propaganda de destilados em rede de TV aberta, mas a cerveja entra como se nem fosse alcoólica, e ocupa grande parte da programação com propagandas muito bem feitas. As políticas públicas têm que atingir essa população que já adoeceu, mas elas precisam mirar também na redução de demanda, através de prevenção universal para todos. 

De acordo com a diretora da Associação Brasileira de Psiquiatria, Miriam Gondenberg, há exemplos no mundo de estratégias bem sucedidas que podem ser seguidas.

Alguns anos atrás, a Rússia fez uma campanha muito interessante para reduzir o consumo de álcool, com aumento da taxação, que fez a bebida ficar mais cara, e com intervenções na propaganda também. E a Rússia tem um consumo de álcool muito alto. Durante esse período, as taxas de suicídio caíram significativamente. Quando a campanha terminou, elas voltaram a crescer, ela acrescenta. 

As duas especialistas também enfatizam que é preciso aumentar o controle do consumo entre os adolescentes, que continua acontecendo, apesar da legislação proibir a venda e a entrega de bebidas para este público. 

Nós, brasileiros, não conseguimos regulamentar isso ainda. Conseguimos botar na lei, mas não conseguimos fazer, o que se diz com uma palavrinha em inglês, que se chama enforcement (a capacidade do poder público de fazer uma lei ser cumprida). O adolescente no Brasil compra bebida com muita facilidade. E o adolescente tem o cérebro ainda em desenvolvimento, é um período extremamente precioso, que se diz na psiquiatria, que está ocorrendo a sintonia fina do nosso cérebro, destaca Alessandra Diehl

* os nomes das personagens são fictícios

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