Festas de fim de ano e saúde: o impacto silencioso dos excessos na alimentação
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As festas de fim de ano são, por excelência, momentos de encontro, tradição e celebração da vida. São também, quase sempre, marcadas por excessos. É curioso perceber como, justamente no período em que celebramos, acabamos expondo o corpo ao que mais o sobrecarrega: alimentos ultraprocessados, açúcar em abundância e exageros que parecem inofensivos, mas deixam marcas metabólicas silenciosas.
Atuando em unidades de terapia intensiva, acompanhei de perto como escolhas acumuladas ao longo da vida impactam o destino das pessoas. Em uma madrugada, ouvi de um paciente uma frase que nunca me deixou: “Doutor, se eu soubesse que o futuro chegava tão rápido, teria vivido de outro jeito.”
Ela sintetiza um abismo comum — a distância entre o futuro que desejamos e o modo como conduzimos o cotidiano.
Dezembro, no entanto, não precisa ser apenas um período de excessos. Ele também pode ser entendido como um convite à reflexão. Um momento de reconhecer que é possível celebrar com prazer e, ao mesmo tempo, cuidar da saúde que desejamos levar para os próximos anos.
A ciência já demonstra que o envelhecimento não se resume ao avanço natural do tempo. Ele resulta de um diálogo contínuo entre nossos genes e o ambiente em que vivemos — e a alimentação ocupa papel central nesse processo. Estudos em epigenética mostram que o que colocamos no prato funciona como uma linguagem biológica, capaz de modular inflamação, metabolismo e processos celulares que podem acelerar ou retardar o envelhecimento.
Essa relação se torna ainda mais evidente ao observar as chamadas Blue Zones, regiões do mundo onde as pessoas vivem mais e melhor. Nesses locais, a longevidade não é fruto do acaso, mas da repetição consistente de boas escolhas. A alimentação é simples, natural e pouco processada, rica em vegetais, fibras, gorduras de qualidade e proteínas adequadas. Comer ali não é um ato apressado ou solitário, mas um ritual social, vivido com propósito e prazer.
É nesse contexto que os pilares da Medicina do Estilo de Vida ajudam a dar densidade prática à discussão. Alimentação adequada, movimento regular, sono de qualidade, gestão do estresse, relações sociais saudáveis e redução de exposições nocivas são fatores mensuráveis que reduzem inflamação crônica, preservam a função cognitiva e sustentam vitalidade ao longo do tempo.
Aplicar esses princípios durante períodos simbólicos como as festas de fim de ano não exige radicalismo. Celebrar não precisa significar exagerar. Pequenas escolhas fazem diferença: valorizar alimentos naturais, priorizar preparações caseiras, reduzir ultraprocessados e respeitar os sinais do próprio corpo.
Manter a tradição é possível — desde que acompanhada de consciência.
Cuidar da alimentação não é abrir mão do prazer, mas ampliar o horizonte do futuro. Que este final de ano seja mais do que um rito de passagem: seja um convite a celebrar com equilíbrio e a resgatar o verdadeiro papel do alimento como fonte de saúde, sentido e longevidade.
Dr Gustavo Varella é especialista em Terapia Intensiva e Clínica Médica.