Uma amiga desfez a reserva num hotel brasileiro com dez dias de antecedência e, pelo que já se aborreceu em um dia, já imagina que só receberá seus direitos na justiça. Um badalado chef francês – habituado não apenas com a correção, mas com o cartesianismo de seus compatriotas – posta seu espanto no Facebook: “ A piada do dia: compro dois bilhetes de metrô, que dois dias depois não valem mais nada ! É roubo ou erro de comunicação?”
O que será?
Aqui em casa, chamei uma empresa que tinha como séria para consertar o aquecedor a gás, que tem cerca de quatro anos de vida e serve na maior parte do tempo a apenas uma pessoa, que sou eu. Paguei o conserto bonitinho, deram três meses de garantia, mas muito antes de este período expirar, tive que chamar o técnico por três vezes. Nada. Ou o bicho não ligava ou ligava com estrondo. Estrondo de gás, tá? Da última vez em que esteve aqui, o técnico quase me chamou de débil mental. O erro era meu, claro, não dele. O boiler estava nos trinques – e estamos conversados.
Pois bem: ontem, o estouro do aquecedor na área de serviço foi de tal ordem que liguei para uma loja e comprei outro. Quase 800 pratas, mas antes a cacetada no bolso do que eu explodir, com casa, minha querida Maria, cachorro e papagaio, que tenho ambos, não é força de expressão.
Comprei e decidi: vou entrar no Juizado de Pequenas Causas contra a empresa irresponsável que brinca com a vida da gente. Minha sobrinha advogada adora uma causa dessas. Ganha todas.
Acho que o chef e minha amiga devem também procurar seus direitos.
Viver já é complicado. Viver no Brasil é coisa para malabarista de corda bamba.
A nós, os trabalhadores, que não temos as generosas tetas do governo pra mamar, só nos resta correr atrás do preju.
Antes que uma explosão nos lance pelos ares, né, não?
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Ainda à beira de uma explosão, num agradável almoço no Albamar – onde meu amigo Aristóteles Drummond foi entronizado como o mais novo membro dos Companheiros da Boa Mesa – vou melhorando aos poucos da indignação, mirando aquela vista para a Baía de Guanabara que faz esquecer qualquer aborrecimento, e ainda gozando da rara companhia de meu filho neste tipo de badalo. Tarde deliciosa.
Ao meu lado na mesa, o gentleman Paulo Bertazzi, que se recupera bem, graças ao Bom Pai, de um descolamento de retina. O problema de saúde impediu que ele e sua mulher Vandinha curtissem a lua de mel combinada com a devida antecedência no Festival de Salzburg, na Áustria, o must em matéria de música clássica para qualquer melômano de bom gosto. O programa dançou, ele sofreu todos os incômodos e toda a tensão da cirurgia, amargou a maior frustração, mas não saiu no prejuízo financeiro.
Como lá na Europa as coisas não são como cá abaixo da linha do Equador, Bertazzi conseguiu cancelar hotéis, programas e até os ingressos que comprara para os concertos que assistiriam. Sem multas, sem aporrinhação, tudo por e-mail. Coisa de gente civilizada.
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Pensando bem, tenho até que festejar. Afinal, sobrevivi ao aquecedor e à empresa assassina – a tal de RMV, fujam dela! – e pude aqui contar a história do dia em que quase virei bueiro da Light, pra usar uma comparação tão cara aos cariocas.
Festejo o fato, mas continuo chorando por este país que anda à beira de uma explosão política – e que entra governo, sai governo, continua tratando seu povo como cidadãos de quinta categoria.
Será Dona Dilma a dar jeito nele? O tempo dirá.