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Psicólogo analisa carta de atirador: tratamento evitaria a tragédia

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A carta deixada por Wellington Menezes de Oliveira, autor do massacre de alunos da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, tem um conteúdo delirante, característico de uma mente psicótica, na qual é comum a pessoa incorporar elementos culturais de cada época, como as referências religiosas.A análise é do psicólogo Alexandre Passos, que atua há 20 anos no tratamento de doentes mentais na rede pública do Rio.

"O delírio, segundo a interpretação da teoria freudiana, é uma tentativa de reconstrução de laços perdidos. Nesse sentido, a questão da religião não comparece como modus operandi modo de operação, em latim ou causal desses fenômenos, mas apenas incorporada dentro do delírio dele", disse.

Para o psicólogo, mais do que vinculados a qualquer religião, os rituais descritos por Wellington na carta estão mais relacionados à questão da castidade. "Ele se coloca como uma pessoa virgem, que não pode ser tocada por pessoas impuras, o que, segundo essa concepção, seriam aquelas que praticaram sexo antes do casamento", afirmou Passos.

Passos disse que, no caso de Wellington, faltou um devido acompanhamento terapêutico. "O mais importante a ressaltar neste momento é que o Wellington não é apenas um monstro. Essa visão apazigua a sociedade. Todas as questões são centradas nele, mas o fato, a rigor, é que ele era um doente mental sem tratamento. Faltou um olhar em direção a vários sinais que ele vinha emitindo desde a infância e a adolescência, como introversão e isolamento pessoal".

Para o psicólogo, se esses sinais tivessem sido, ao longo do tempo, devidamente observados e tratados, a história de Wellington poderia ter outro desfecho. "Quem sabe se um psicólogo ou psicanalista poderia manejar o curso desse delírio e impedir que ele se desencadeasse dessa forma?".

Há 10 anos também atuando como psicólogo forense no sistema prisional fluminense, Passos disse que o atentado de Wellington se distingue dos mais comumente executados por doentes mentais. "Geralmente, em crimes desse tipo, o autor responde a vozes de comando, alucinações etc. Mas, no caso dele, a ação foi premeditada, embora dentro do curso de um delírio, no qual ele não era possuidor de um juízo crítico, consequente".

Passos afirmou ainda que é curioso o fato de a carta ser correta do ponto de vista gramatical e semântico. "Mas, do ponto de vista pragmático, está dissociada da realidade", segundo o psicólogo.

Atentado
Um homem matou pelo menos 12 estudantes a tiros ao invadir a Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, na manhã do dia 7 de abril. Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos, era ex-aluno da instituição de ensino e, segundo a polícia, se suicidou logo após o atentado. O atirador portava duas armas e utilizava dispositivos para recarregar os revólveres rapidamente. As vítimas tinham entre 12 e 14 anos. Outras 18 ficaram feridas.

Wellington entrou no local alegando ser palestrante. Ele se dirigiu até uma sala de aula e passou a atirar na cabeça de alunos. A ação só foi interrompida com a chegada de um sargento da Polícia Militar, que estava a duas quadras da escola quando foi acionado. Ele conseguiu acertar o atirador, que se matou em seguida. Em uma carta, Wellington não deu razões para o ataque - apenas pediu perdão de Deus e que nenhuma pessoa "impura" tocasse em seu corpo.