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O Rio que passa em nossas vidas

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Era aluno do Santo Inácio quando li pela primeira vez o mote pré-socrático: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Desde então, foi inevitável traçar o paralelo do rio de Heráclito com o Rio de Janeiro. Um, assim como outro, vivem uma eterna e constante transformação e nunca permanecem os mesmos. 

Percebi isso pela primeira vez aos nove anos, quando vim estudar na capital do Brasil que se chamava Rio. Mas cinco anos depois, veio a primeira mudança. O Distrito Federal mudava para o planalto central do país. O Rio seguiu seu curso e eu também. Estudei sociologia na PUC e economia na Universidade do Brasil, que mudou e hoje é conhecida como UFRJ. O país sofria sua trágica mudança de um estado democrático para uma ditadura militar, em 1964. 

Entrei para o movimento estudantil, defendendo a democracia e a liberdade. Mudei para Paris e voltei anos depois. Fui deputado pelo MDB, um mês antes do Rio e a Guanabara mudarem e se transformarem em um só. Fui prefeito de Niterói, e em meio a tantas mudanças, há uma data que não sai da memória, o dia 9/9/1979. Nesse dia, dei uma entrevista ao JORNAL DO BRASIL. O periódico, que testemunhava a nossa história desde a sua fundação em 1891, nasceu na monarquia, atravessou a República, encarou o Estado Novo e desafiou a ditadura militar. Pela primeira vez, eu descobria algo que não havia mudado no Rio, o JB. 

Em frente a sua sede na Av. Brasil, 500, como o prefácio de um livro assinado por um convidado especial, os versos do profeta urbano Gentileza estampavam os pilares do viaduto do Caju. E esse ar poético, literário e carioca que já começava nas colunas da entrada, seguia pelas colunas do próprio jornal que teve como colaboradores nomes como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Ferreira Gullar. Aos domingos, trazia o humor refinado do Veríssimo, claro, na deliciosa Revista de Domingo. Aos sábados, chegava cheio de ideias no Caderno Ideias. O Caderno B trazia Zózimo. 

E nomes como Sergio Noronha, João Máximo, José Ramos Tinhorão, Armando Nogueira, Carlos Castelo Branco, Walter Fontoura, Marcos Sá Correa, e tantos outros que a emoção aqui embarga a memória. 

Assim o JB permanecia como o jornal mais inovador do Rio. Mudar era a garantia da sua continuidade. E eu, assim como o Rio, seguia o meu curso. Mudei de partido, concorri ao governo do estado e perdi. Voltei ao meu partido de origem. Costurei uma frente ampla e venci. Prometi, aos 42 anos de idade, terminar com a violência em seis meses. Mas dessa vez, o Rio resolveu seguir sem mudar e a violência permaneceu assustadora, revelando sua face mais terrível. Ali, percebi que a solução não estava na caneta de um governador ou muito menos nas mãos de um único homem. 

Aos 73 anos, mudei a forma de pensar, mudei a percepção sobre este assunto tão complexo. A violência no Rio não é exclusiva do Rio. Como vitrine do país, a cidade e o próprio estado do Rio de Janeiro expõem a violência de todo o Brasil. Priorizar o combate em qualquer cidade precede da atenção necessária às fronteiras do país e impedir, principalmente, a entrada de armas e drogas. 

Como gestor público, tenho plena consciência de que a justiça social, a educação e a promoção da cidadania pavimentam o caminho para acabar com a violência. Mas, se ver uma criança dormir ao relento é uma forma de violência inaceitável, ver uma criança tombar assassinada é inconcebível. E isso está se tornando uma tragédia cotidiana. A intervenção federal na segurança pública chega para estancar esta sangria cruel e brutal do mais grave momento de caos urbano no Rio de Janeiro. E isso tem que mudar!

O gesto de intervenção, por si só, já representa uma mudança significativa e acertada. Certamente, haverá novas mudanças como em todo processo natural de mudança. 

E hoje, mais uma vez, estou aqui no JB expondo essa mudança de pensamento, de opinião e de percepção. O jornal, assim como eu, também acabou mudando e renasceu! Creio que o Rio nos ensinou a lição de que toda mudança é necessária para o nosso renascimento e a nossa permanência. Bem-vindo JORNAL DO BRASIL, ao Rio que passou, que passa e que sempre passará em nossas vidas.

*Wellington Moreira Franco é ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República e ex-governador do Estado do Rio de Janeiro