ASSINE
search button

Venda de terras a estrangeiros: vendendo a soberania brasileira

Compartilhar

A criação de meios para a prática de ações anti-brasileiras, contrárias às normas básicas de preservação das florestas e do meio-ambiente, assim como aos valores, interesses e direitos de todo o povo brasileiro, em especial de certas comunidades como os indígenas e os quilombolas, que têm direitos sobre as terras constitucionalmente assegurados. Além de todos esses aspectos negativos, as propostas de criação de artifícios aparentemente legais visando facilitar a venda de terras a estrangeiros são inconstitucionais. Esses, em síntese, são os graves vícios contidos em projetos de lei propostos no Congresso Nacional tendo por objetivo eliminar qualquer restrição e abrir amplamente as comportas para a venda de terras brasileiras a estrangeiros. E isso vem sendo proposto para que uma parte do território brasileiro seja entregue a estrangeiros em troca de proveitos econômicos que serão auferidos por proprietários de terras sem consciência ética, sem respeito pelos valores humanos e sociais fundamentais e pela soberania brasileira. Para que fique bem clara essa violência que se está pretendendo praticar por via de projetos de lei, dando a falsa impressão de normalidade constitucional, serão ressaltadas em seguida algumas peculiaridades dessa maléfica empreitada.  

Em primeiro lugar deve ser ressaltado um aspecto jurídico de fundamental importância: o território é elemento essencial do Estado, estando incluída no conceito de território a totalidade das terras existentes dentro dos limites territoriais de um Estado. Esse é o ensinamento praticamente unânime dos Teóricos do Estado. Entre estes se inclui o eminente mestre brasileiro Professor Paulo Bonavides, que, numa síntese muito feliz, faz uma clara e objetiva afirmação, que, pela autoridade de seu autor, assim como pela oportunidade,cabe lembrar aqui:“longe de ser apenas condição de existência do Estado, o território é, efetivamente, elemento essencial, constitutivo do Estado”. A par disso ele faz outras observações relevantes, confirmando essa afirmação básica. E pelo conjunto de suas ponderações chega-se à seguinte conclusão: não existe Estado sem território e a entrega de parte do território a um estrangeiro, seja a outro Estado, a uma entidade privada ou a um particular, significa a entrega de parte do próprio Estado. A conclusão final é que no momento mesmo de sua constituição o Estado integra num conjunto indissociável de elementos, entre os quais um território, de que não pode ser privado sob pena de não ser mais Estado. (Ciência Política, pág.184 a 104).

O território é a base física da soberania do Estado e a entrega de partes do território brasileiro a estrangeiros, sob a forma de venda ou qualquer outra, significa a entrega de parte da soberania brasileira. E precisamente por isso, por esse efeito extremamente grave em prejuízo de todo o povo brasileiro, a venda de qualquer porção de terras brasileiras a estrangeiro é, além de eticamente condenável por acarretar prejuízo a todo o povo, claramente inconstitucional.Entretanto, a pressão dos grandes proprietários e investidores fez com que se abrissem algumas possibilidades para a aquisição de terras agrícolas por estrangeiros. Isso foi feito por meio de lei, mas estabelecendo regras estritas a respeito das condições em que um estrangeiro pode adquirir terras agrícolas no Brasil, individualmente ou, disfarçadamente, por meio de empresas das quais o investidor tenha o controle. Essas restrições estão expressas na Lei Federal nº 5709 de 1971, cujo artigo 1º dispõe que “o estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta lei”. E mais adiante a lei estabelece os limites máximos das terras que podem ser adquiridas por estrangeiros que enquadrem nas hipóteses do artigo 1º.

A constitucionalidade dessa lei é questionável, pois ainda que se trate de venda de pequena porção do território brasileiro não deixa de ser a entrega de parte do território a um estrangeiro, o que significa a entrega de parte da soberania brasileira.  Isso, entretanto, ainda não foi levado aos tribunais. Ao contrário disso, inconformados com essas limitações, grandes investidores da área econômica aí referidas, os quais, como tem sido amplamente comprovado e agora se confirma, não têm o mínimo respeito pela soberania brasileira e pelos direitos fundamentais dos brasileiros consagrados na Constituição, esses adoradores do dinheiro pretendem que se declare inconstitucional qualquer dispositivo legal que estabeleça restrições à venda de terras para estrangeiros. O que lhes interessa, acima de tudo, é que fique plenamente aberta a possibilidade de fazer negócios com parcelas do território brasileiro, que para eles não tem outro significado a não ser o de bens econômicos que podem proporcionar rendas financeiras. 

Paralelamente à denúncia dessas investidas e para que seja estabelecida uma forte resistência a elas, é também oportuno chamar a atenção para artifícios que vêm sendo utilizados numa tentativa de burlar as limitações legais. Uma tentativa que já ocorreu na França, e lá foi denunciada e obstada, é a simulação de criação de uma sociedade de proprietários de terras, para dar uma aparência de legalidade a uma venda de terras a estrangeiros. O que se fez na França, tendo sido denunciado e finalmente obstado, foi a criação formal de uma sociedade de proprietários de terras, todos interessados na venda para estrangeiros. Nesse tipo de simulação, que se ameaça introduzir no Brasil, os proprietários de terras que pretendem vendê-las a estrangeiros entram para a sociedade entregando suas terras como pagamento da quantia corresponde à sua quota para ingresso na sociedade.E o comprador estrangeiro entra para a sociedade como se fosse apenas mais um sócio, mas entra como sócio majoritário e assim tem o comando da sociedade e o domínio das terras. 

Quanto aos aspectos jurídicos, é importante e também oportuno lembrar que em setembro de 2012, num julgamento de Mandado de Segurança, o órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo havia concluído que a Lei Federal nº 5709, de 1791, que estabeleceu restrições para a venda de terras a estrangeiras não tinha mais aplicação por não ter sido acolhida pela Constituição de 1988. Tomando por base esse argumento, o Corregedor Geral da Justiça editou parecer recomendando que os Tabeliães e oficiais de registro ignorassem as restrições daquela lei federal. Em ação proposta contra esse parecer pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, firmou conclusão no sentido de que a referida lei está em pleno vigor, pois foi regularmente aprovada e sancionada e nem sequer foi proposta ação pedindo a declaração de sua inconstitucionalidade.  E concluiu o preclaro Ministro que a referida lei está em pleno vigor e sua desobediência põe em risco a soberania nacional, conclusão que foi acolhida pelo egrégio Supremo Tribunal Federal. 

Assim, pois, estão em plena vigência todas as disposições legais impondo restrições à venda de terras brasileiras, ou seja, porções do território brasileiro, a estrangeiros,restrições que são não apenas convenientes, mas necessárias. Além de proteger interesses sociais relevantes, pois os compradores, cujo único interesse é a obtenção de ganho econômico, evidentemente não respeitariam as normas relativas à proteção das matas, do meio ambiente e de peculiaridades e direitos protegidos pela Constituição, tais limitações protegem direitos e interesses que são de toda a sociedade brasileira. Em conclusão, a obediência às disposições legais restringindo a venda de terras a estrangeiros é uma exigência do respeito à soberania do Estado brasileiro.

* jurista