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Angra 3: Pode ser evitada uma Síndrome da China Brasileira? 

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Os acidentes de Three Mile Island (TMI), Chernobyl e Fukushima foram decorrentes de causas diferentes, mas todos redundaram na temível fusão do núcleo do reator, isto é, no derretimento do combustível nuclear. O acidente de TMI de 1979 foi apenas um aviso das grandes consequência que viriam ocorrer em Chernobyl e Fukushima. Nos EUA, o acidente de TMI implicou, já em 1979, na mudança da regulamentação de segurança, que anos depois foi consolidada internacionalmente pela Agência Internacional de Energia Atômica**.

Infelizmente o Brasil não seguiu esta regulamentação até o momento. Mesmo para Angra 3, projeto de segurança nuclear aprovado em 2010, não são considerados os acidentes severos de fusão do núcleo ao reproduzir mecanicamente o projeto de Angra 2 e ao adotar as normas obsoletas da década de 1970.

A paralisação da construção de Angra 3, particularmente do Edifício de Contenção do Reator, cria talvez a última oportunidade de torná-la uma usina segura sem grandes prejuízos financeiros. É de fundamental importância adequá-la ao estado da arte, ciência e tecnologia do final do século XX e início do século XXI ao incluir na base de projeto o acidente de fusão do núcleo. Só assim é possível garantir a segurança da população, dos trabalhadores e do meio ambiente.

O Edifício da Contenção de Angra 3, além do reator e do sistema de geração de vapor, contém as piscinas de armazenamento de combustível usado e novo. O risco nas usinas deste tipo é muito alto, pois a explosão de hidrogênio, além de desestruturar o interior do Edifício da Contenção, causará danos sérios às piscinas de combustível, implicando em provável acúmulo do núcleo fundido do reator com os combustíveis novo e usado. Em consequência, o acidente severo se amplificará, pois poderá se estabelecer a reação em cadeia (criticalidade) sem qualquer controle, um acidente de gravidade muito superior ao da simples fusão do núcleo ocorrida nos acidentes de Chernobyl ou de Fukushima.  Provavelmente poderá ocorrer o que popularmente é conhecido como Síndrome da China, imagem criada nos EUA quando um reator se funde e se aprofunda no subsolo indefinidamente. Em Angra 1, o combustível novo e usado ficam estocados em um edifício exclusivo, fora do Edifício da Contenção, não representando perigo deste tipo.

Portanto, a paralisação da construção de Angra 3 representa um momento importante para a reformulação do projeto interno do Edifício da Contenção de Angra 3 com a finalidade de retirar as piscinas de combustível de seu interior, eliminando o potencial de amplificação do acidente severo de fusão do núcleo, para então dar lugar a um rearranjo com a inclusão de um Reservatório de Água de Refrigeração e de um Tanque Coletor para o Núcleo Fundido (“core catcher”) ou a implementação de uma solução que se mostre mais apropriada com o mesmo objetivo. É simples assim e a segurança de Angra 3 ficará garantida no caso de ocorrência de um acidente severo de fusão do núcleo, o pior acidente que pode ocorrer em uma usina nuclear.

* Engenheiro de segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear

** As opiniões do autor não necessariamente refletem posições da Comissão Nacional de Energia Nuclear