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Momento de reflexão e conciliação 

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Diariamente somos bombardeados por matérias, notícias e comentários sobre o desempenho da economia que no todo evidenciam uma realidade adversa e a projeção de um quadro em desconstrução e de fragilidade para as principais variáveis macroeconômicas (produto-renda, juros, inflação, câmbio, emprego e contas públicas).

No geral, o apontamento das avaliações converge para uma estimativa que indica, de forma precisa, as razões, os responsáveis e as implicações para a grave crise que vivemos – mesmo descontando o viés ideológico, o oportunismo e a astúcia de alguns analistas.

Contudo, devemos ter uma certa preocupação com dois grupos extremos dessas formulações. O primeiro grupo se mostra nos chamados heterodoxos – cujo discurso ensaia um certo desprezo pela racionalidade de um programa de estabilização focado em ajustes fiscais sérios.

Para este grupo, a postura da responsabilidade fiscal e da política monetária contracionista (elevação da taxa de Juros) expressa a contenção de gastos públicos e a diminuição de incentivos fiscais, com a respectiva contenção da demanda (poder de compra) e o aumento dos juros, seria irrelevante.

Ao outro grupo, o esforço fiscal, a contenção de despesas públicas e o saneamento do déficit público e uma taxa de juros real elevada são as formas de correção para o estágio crítico em que nos defrontamos.

Como alertado ao longo dos nossos últimos artigos neste jornal, o conjunto de medidas adotadas pela atual administração, em especial da área econômica, seria incapaz de reverter os erros de formulação e os desvios de racionalidade dos gestores da política econômica do período 2007-2014) – seja pelo tamanho dos malfeitos, seja pela fragilidade das medidas, em especial o conjunto de ações que embasam o chamado ajuste fiscal –, que, na prática, revelou-se um grande fracasso – inofensivo no combate das mazelas da “nova matriz econômica” e frágil na execução de um programa de cortes de despesas e aumento da eficiência da gestão do orçamento.

A esta altura do texto, o leitor deve estar perguntando: “Mais um artigo de críticas e nenhuma proposta objetiva? E daí, qual a solução ou proposta?

Para responder a essa indagação legítima, precisamos inicialmente esclarecer alguns pontos e apresentar ou trazer à tona novos argumentos, nem sempre explícitos na leitura cotidiana.

Por que o programa de ajuste fiscal deu errado?

A Origem e a Herança maldita – As Bases para a Ameaça Fantasma

Por algumas razões, em especial o tamanho das distorções econômicas causadas pelos gestores do período 2007-2014 é colossal. Com efeito, temos 

a) R$ 105 bilhões de atrasos e defasagens nas contas do setor elétrico; 

b) R$ 120 bilhões de perda de receitas com as medidas de desonerações fiscais (diminuição dos encargos sobre a folha de salários e contribuição social de mais de 20 setores da economia, política de concessões de benefícios fiscais e vantagens na taxa de juros dos empréstimos e financiamentos aos grandes grupos nacionais), os chamados juros subsidiados do sistema BNDES (R$ 750 bilhões tomados emprestados pelo tesouro a taxas correntes de juros e aportados ao BNDES para a concessão de empréstimos a taxa de juros menores – a diferença, só em 2015, foi de R$ 42 bilhões), um conjunto enorme de benefícios sociais sem avaliação do custo e da eficiência deles (FIES, Pronatec, Minha Casa Minha Vida); 

c) despesas superdimensionadas para obras públicas; 

d) corrupção em números estratosféricos; 

e) inchaço na máquina pública, proliferação de ministérios, programas de gastos sem adequação às fontes de recursos; 

f) uso dos bancos estatais em operações esdrúxulas de financiamentos ao tesouro nacional em um total de R$ 27 bilhões; 

g) uso frequente de atrasos nos repasses para a cobertura de obrigações dos entes contratantes; 

h) cancelamento de empenhos (autorizações para gastos com cobertura orçamentária); e assim poderíamos seguir na descrição das impropriedades por extensão até o final do alfabeto e ainda teríamos que usar novas fontes.

O que anunciamos acima significa, em síntese, que o estrago de deformações, a assunção de responsabilidades e a promulgação de benefícios e distorções acumuladas ao longo de anos são exponenciais, tendo um efeito devastador sobre a economia associado ao fato de que as obrigações assumidas pela recepção de direitos e a concessões de benefícios implicam em uma massa de encargos para os próximos anos de um número que pode se aproximar ao valor de R$ 300 bilhões (2.8% do PIB) ou algo comparável a uma necessidade de novas fontes de receita fiscal de 5% a 6% do PIB, na impossibilidade de novas fontes de arrecadação, pois tais números  elevariam a carga tributária nacional para 41% do PIB, haveria a necessidade de novos endividamentos o que faria com que a relação dívida PIB se elevasse para a cifra próxima a 72%. Condicionado a existência de um crescimento do PIB, ainda que medíocre de 0.5 % aa

Algo inexequível e explosivo: a simples formação de expectativa quanto ao montante e o tamanho já seria, a curto prazo, combustível suficiente a uma trajetória de forte recessão e fuga de investimentos.

Respondendo à questão deixada sob suspense – Por que as medidas de combate a crise econômica e as propostas apresentadas no pacote de ajuste fiscal pós-eleição deram errado?

Em primeiro lugar, o tamanho do desastre e as armadilhas deixadas pela gestão anterior (2007-2014) não eram identificáveis ou quantificáveis facilmente. O estrago provocado pelas medidas e a amplitude das deformações fugia de qualquer lógica ou avaliação mais pessimista – Nem a mente mais diabólica ou o manual mais heterodoxo de economia poderia conter um conjunto de platitudes e ações peripatéticas ao tamanho das praticadas pelos gestores e governantes associados ao período em análise.

Em segundo lugar, encontramos uma certa incompatibilidade entre a forma de conduta e as colocações trazidas à tona pelos sucessores da condução da política econômica pós 2014 e a realidade política. A postura imperial e infeliz na comunicação por parte do agente formulador da nova política econômica deu excessiva ênfase a questões que transpareceram como o anunciar de uma “revanche” associada com um linguajar que pecou pela impropriedade das palavras e a total incapacidade de fruição de um raciocínio inteligível.

Seja para a sociedade, seja aos interlocutores políticos – o anunciar do que seria apenas um conjunto de maldades contidas no chamado pacote fiscal foi entendido como um fim em si mesmo, como algo que não era explicável ou passível de questionamento – daí a imensa e quase retaliação que sofreu no Congresso Nacional e o fracasso retumbante em efeitos arrecadatórios e cortes no orçamento. Em outras palavras, a comunicação equivocada e a postura “cesarina” do proponente do ajuste fiscal criou uma legião de conspiradores e a total destruição dos mecanismos de acordo político – na proposta todos os novos beneficiários do novo “regime” perdiam e nenhuma parcela de custo era imputada a ganhadores contumazes (empresas amigas, compadres do poder, sistema bancário, setores camaradas de parceria político-partidária etc.)

Em terceiro: Em definitivo em motivo temos que a configuração do pacote de ajuste fiscal era ruim, mal concebido em suas escolhas, fraco em propostas e assimétrico em conteúdo. Na prática revelou-se profundamente recessivo e ineficaz em cortes – claro que o Congresso Nacional foi agente importante para o fracasso e o aprofundamento das distorções.

Nesse momento do texto, se algum defensor do projeto político e econômico do atual governo, que ainda nos der o prazer da leitura, certamente ele estará formulando a seguinte assertiva: E a conjuntura internacional não aparece como relevante e não explica a nossa crise?

Sim, a queda nos preços das comanditeis minerais e no preço do petróleo de fato tem algum peso. No entanto, ao nosso ver, só revelam as fragilidades do pensamento e da formulação das políticas do atual governo – que em um cenário adverso em formação continuou acelerando em busca de um mar em que o céu anunciava uma tormenta. Agiu como um jogador que, na ausência de sorte, aposta tudo e mais um pouco no preto 22.  A crise ajuda na explicação, no entanto não a justifica. Nada isoladamente justifica o conjunto de mazelas e o tamanho das distorções macroeconômicas em curso, a não ser um processo ingênuo ou deliberado e orquestrado de práticas,disfunções e anomalias na concepção e implementação ao longo e por um período do tempo razoável de políticas econômicas inconsequentes e equivocadas. 

Fico por aqui, fazendo uma pausa para a reflexão, deixando uma mensagem direta e objetiva: conceder benefícios e assumir responsabilidades com a diminuição de desigualdades e ter programas de “esquerda” não concedem a nenhum partido político, nem aos seus opositores, ou a qualquer seguimento partidário licença para a prática de ilícitos ou descaminhos de recursos públicos ou à cobrança de comissões. Ao contrário, a busca da hegemonia no discurso social torna seus portadores seres duplamente cobrados. Ética na vida pública e respeito com a res pública são deveres e obrigações inegociáveis.  

• Economista e Administrador, Mestre em Economia Pela EPGE/FGV e Doutorado em Economia pela mesma instituição. Foi: Diretor da CVM, Secretario de Controle do Estado do Rio de Janeiro e Presidente da SUSEP /MF.   Ex-Professor da FGV e IBMEC/RJ