ASSINE
search button

A Hora da verdade 

Sombrios dias, rico em fatos, indigente nos personagens, próspero em tramas e medíocre no conteúdo

Compartilhar

“Triste tempo de sombrios dias, rico em fatos, indigente nos personagens, próspero em tramas e medíocre no conteúdo” – Estes serão os termos de um capitulo de um livro de história a ser escrito em um ponto futuro, sobre o momento em que vivemos se, e somente se, deixarmos que o oportunismo, a astúcia e o medo assumam o protagonismo dos fatos.

A história dos povos não segue um determinismo, uma lógica pré-configurada, uma vontade transcendental, um destino superior ou uma marcha forçada pelo caminho da insensatez.  Enquanto agentes ativos da realidade, podemos mudar a trajetória dos fatos e reconstruir caminhos.

Nada nos obriga a sermos vítimas voluntárias de uma realidade em decomposição – Para tanto precisamos, tão somente,  tomarmos  uma decisão e fazermos  uma escolha entre alguns cenários – Um que mantém a  continuidade de um ambiente polarizado entre uma falsa imagem de diferenças de caráter e posturas (os últimos 24  anos) e de outro lado ,  uma opção pelo início de uma nova jornada -,  que exige o exercício de profunda reflexão sobre o que somos, o que queremos, enquanto povo, para onde iremos e que projeto de nação desejamos construir.

Na percepção de sermos ao mesmo tempo  testemunha e ator coadjuvante na representação de uma peça  que  mescla  estilos; tragédia , drama e comedia, vivenciamos uma realidade por demais complexa no plano institucional para uma leitura superficial ou apressada , acerca dos  possíveis desdobramentos sobre o futuro, o que percebemos na   evolução  do  enredo é que a experiência teve início , no vivenciar do trauma  desencadeado pela  observação do que poderíamos chamar de  sensação  de traição  contida no  –  “desconforto com a armadilha revelada “ momento de dominância de  um  profundo   mal-estar- , agravado  pelo crescimento da incerteza sobre a  condução da política com igual efeito sobre o nível de confiança e a  credibilidade na gestão da  economia.

Enquanto a economia brasileira converge para uma situação de estagnação com inflação elevada, caminhando para um cenário de profunda deterioração no nível de emprego e na atividade econômica, a situação política anuncia um cenário que acena para uma definição clara de saturação - término de um ciclo político-partidário e falência das bases de sustentação do governo.

A Política antecipa o futuro e subordina o Econômico, em um conflito de interesses cuja resultante pode ser o aprofundamento de um estado de caos -. Se o projeto de poder chega ao fim, encerra-se o afeto que unia criadores e criaturas. Eis que é chegada a hora da despedida.

Desde o início do ano há uma evidente sensação de “desconforto” na sociedade brasileira, estando o quadro associado ao ambiente político e econômico em curso.

Sabemos da psicologia social que a percepção da realidade em uma sociedade está profundamente relacionada aos condicionamentos históricos, valores culturais, referencias iconográficas, percepções de classe e “opiniões” de agentes representativos: imprensa, intelectuais, clero, líderes políticos e, por fim, aos interesses econômicos consolidados e suas manifestações dentro do imaginário dos diversos segmentos de uma sociedade.

O resultado do pleito eleitoral de outubro de 2014 revelou mais do que uma divisão profunda no eleitorado, seja no aspecto relacionado a preferencias de projetos econômicos e sociais, seja na indicação de escolha de agentes preferenciais na agenda política, sinalizando, de forma inconteste, uma cizânia entre herdeiros de programas políticos.

Com efeito, a eleição reproduziu diferenças e trouxe à tona sentimentos velados do caráter do brasileiro: ódio pelo “outro”, a ferocidade das ações e os estratagemas utilizados na política partidária e nos acordos de coalizão para a busca da hegemonia no legislativo.

O quadro ora exposto seria trágico em si e dramático em sua conclusão, mas administrável no âmbito político mediante a celebração de novos acordos políticos e com a escolha ou inserção de novos atores e personagens dentro da composição do núcleo duro do poder, como sabemos da história recente.

No entanto, esta tal variante resta impossível diante da existência de uma profunda deterioração da situação econômica revelada pelo forte desequilíbrio nas contas públicas, contaminação da atividade econômica, perda generalizada de renda, elevação no índice de preços (inflação), desgaste nas contas externas e rápida desvalorização cambial, situações estas que, combinadas, produzem um caldeirão de distorções macroeconômicas, com consequente perda deinvestimentos e aumento do desemprego, e a estranha sensação de “perplexidade” fruto de uma reversão de cento e oitenta graus na condução da política econômica, o que era do ponto de vista , dos“compradores do discurso vencedor em Outubro “ provoca um experimento ( existencial)  desastroso e explosivo.

Uma vez revelado à sociedade, até então míope, a existência de uma grave deterioração fiscal e evidente descontrole dos preços e da taxa de câmbio, com manifesta política monetária ainda mais restritiva e, por conseguinte, a necessidade de alta na taxa de juros, cujos resultados são diferenciados , com maior impacto e incidência sobre enorme parte da população e das empresas, mais endividadas,  surge, no elenco de medidas, a necessidade iminente de um novo ajuste nos gastos públicos, com a criação de novos impostos e contribuições e a diminuição de alguns benefícios sociais, tais como regras de acessibilidade ao seguro desemprego e a concessão de pensão por viuvez.

A imperativa carência de um ajuste nos gastos e cortes de despesas é sem dúvida inquestionável; o que não é palatável são as correlações de forças que emergiram vitoriosas do pleito eleitoral com a amarga sensação de “traição”, de um “logro”, de uma fixação da ideia de “abandono e uso”. Afinal, foi dito e reiterado diversas vezes que a situação econômica estava sob controle Em que  direitos seriam preservados e o crescimento estava garantido?

Ledo engano. A realidade é bem pior que o mais trágico dos cenários.

A necessidade imediata de implantação de um programa de ajuste fiscal, que em sua concepção e na pratica, revelou ser profundamente assimétrico, com forte desvalorização cambial e perda exponencial na credibilidade da gestão política, associado a uma plêiade de escândalos e a um mar de tragédias, tornou-se imperativo. Desta forma, a convergência de um quadro de fragilidade política é adicionada a uma intensa deterioração na situação econômica e a um forte descontentamento nos diversos segmentos da sociedade.

De uma forma estranha, nasce a indagação, fruto de um momento em que a faísca levantada pelo tema, torna-se uma chama, uma imperativa obsessão obrigou-me ao exercício da presente reflexão: Há coerência na condução da atual política econômica centrada na adoção de um amplo conjunto de cortes de gastos, ajustes nas contas públicas, redimensionamento de prioridades e aumento de contribuições fiscais?

Temos serias duvidas, quanto a eficácia do “ajuste fiscal ” para a obtenção do sucesso esperado, e, em paralelo, um resultado favorável, ou algum êxito, frente à necessidade premente de destruir o arsenal de maldades e vícios contidos nos resquícios das diversas fontes de desequilíbrios e ineficiências, que, em seu conjunto, provocaram um manancial de distorções, com extensão praticamente endêmica na economia brasileira.

O remédio amargo do ajuste fiscal, uma verdadeira poção de purga, tem em seu discurso de desconstrução, o feito de ser a cura por meio um longo processo de radioterapia, carregando o credo da redenção, pela expiação, sua lógica, encara as dores do tratamento, como um fim em si mesmo, sozinho, enquanto tese e pratica – Seria a terapia indicada para promover   o retorno dos investimentos, criação de ambientes favoráveis aos negócios e a volta do crescimento econômico?O crescente embate entre os embustes do Executivo e as artimanhas do Legislativo produziu, como resultado final, um estrago devastador sobre a confiança dos agentes econômicos e a perplexidade nas avaliações políticas, palco este propício para o desenrolar de um cenário de fim de festa e desencalhe de material vencido, que é perigosamente retroalimentado pela abertura de uma verdadeira caixa de Pandora. Um saco de maldades, em português coloquial. Fruto das inconsistências na formulação da política econômica e a total ausência de sinais de coerência política, elementos necessários e indispensáveis à reformulação das expectativas negativas. Para desespero e desalento, não há elementos novos que possam alimentar uma possível solução não traumática para a crise em curso e o avanço ao terremoto em gestação.

Há solução?

De fato, há soluções possíveis e caminhos trilháveis a curto e médio prazo.

E a resposta podemos encontrar na impossibilidade de o país falhar enquanto projeto de nação. Ainda que em crise, há uma evidente identidade de opiniões que apontamparaa imperativa necessidade de continuidade na trajetória de crescimento em médio prazo e longo prazo, aliado com a manutenção de um inequívoco avanço dos programas sociais implementados ao longo dos últimos anos, sendo esse fator determinante para a construção de uma economia mais competitiva e socialmente menos desigual.

Mesmo assim, a trajetória ainda será complexa e permeada de obstáculos, significando que o momento exige serenidade, temperança e a aprovação imediata de uma ampla frente de união nacional sobre a composição de um bloco suprapartidário focado na reconstrução do sistema político e no aperfeiçoamento das instituições democráticas, em especial no sistema de representação da vontade popular

No momento em que o fim de um ciclo político-partidário é revelado e o sistema de tramas e ardis é desnudado, a continuidade do atual quadro político se esgota. O trincar do partido vencedor das eleições em 2014 é iminente. Do buraco que se abre, um personagem, ainda não revelado, pode ganhar o papel principal e de suas ações e dos possíveis desdobramentos veremos o esboço de cenário que contemple uma travessia menos traumática. 

Renê Garcia Jr é *economista – diretor da RG&A Consultores Associados, professor da PUC; ex- secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, ex-presidente da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP);