ASSINE
search button

A economia descarrila com a falta de foco dos programas sociais

Compartilhar

A perda de ritmo da economia brasileira a partir de 2011 surpreendeu os analistas. Não se sabe ao certo se a causa é proveniente da conjuntura internacional ou da situação interna. É muito provável que seja uma combinação das duas, o que desloca o debate para a determinação dos fatores domésticos que pesaram na redução da nossa taxa de crescimento, uma vez que as causas externas estariam compreendidas: o fim do superciclo das commodities.A determinação do responsável interno é importante não apenas como um exercício de história econômica, mas, principalmente, para apontar os ajustes necessários para a economia brasileira voltar a crescer a taxas alvissareiras.

Sob a ótica interna haveria dois candidatos a vilão: os desacertos na condução de política econômica no governo Dilma e o contínuo aumento, iniciado na década de 90, do gasto público.

Quanto ao primeiro suspeito, a argumentação é que a chamada “nova matriz econômica” - termo cunhado por membros da equipe econômica da presidente no começo de seu primeiro mandato –provocou danos institucionais significativos ao nosso modelo de crescimento.

A lista dos supostos “equívocos” cometidos na gestão da economia é extensa, e eles teriam como pano de fundo uma visão ideológica – compartilhada pela presidente e seus auxiliares econômicos naquela fase – que estimula a intervenção do Estado na atividade econômica e no funcionamento do setor privado.

É preciso, no entanto, avaliar o argumento da perda de crescimento por conta da nova matriz num contexto mais amplo. Não existe, para início de conversa, nenhum estudo academicamente sólido que indique que essa tese proceda.Além do que, como se sabe, ao contrário – por exemplo – dos Estados Unidos, a sociedade brasileira jamais se pautou pela busca obsessiva da eficiência econômica. Nem é preciso citar a infinidade de exemplos, ao longo da história econômica nacional, de casos em que as políticas estabelecidas desconsideravam aspectos relativos ao crescimento da economia.

Por conseguinte, não me parece apropriado tomar como inquestionáveis consensos formados sem base em evidências mais concretas. Assim, por mais que “erros” de política econômica e de regulação tenham sido cometidos no primeiro mandato de Dilma, existe uma distância enorme entre reconhecer este fato e atribuir responsabilidade por uma substancial perda de PIB. Uma tese tão extrema para ser confirmada seria necessária indicação mais clara, e, por isso, não poderia ser inferida apenas a partir de modelos mentais abstratos que alguns analistas têm em relação à política econômica ótima possível.

Sob a ótica do segundo candidato a vilão - os gastos públicos - é oportuno checar os dados. Dos 4,2 pontos porcentuais (pp) do PIB de aumento observado entre 2000 e 2014 nas despesas do Governo Central, uma parcela de 3,8 pp deriva da expansão da Previdência Social, dos programas sociais e do custeio de educação e saúde.

É bom lembrar que, no início da década passada, boa parte dos economistas diagnosticava uma evolução desfavorável da relação entre receita e despesa pública. O desarranjo então prognosticado era (e a ainda é) atribuído à expansão de gastos previdenciários e sociais pelo efeito combinado da Constituição de 1988 e dos impulsos adicionais derivados das pressões distributivas do jogo democrático. Recomendava-se com ênfase aos governos que persistissem em reformas estruturais de contenção do gasto, com atenção especial na Previdência.

No entanto, o forte crescimento da receita real na era Lula, especialmente no segundo mandato - entre 2007 e 2011 (excetuando-se a queda de 2009) a elevação anual esteve na faixa entre 8,5 e 10% -colocou em segundo plano as recomendações feitas pelos economistas. Mas o problema voltou abruptamente ao centro do palco com a forte desaceleração da receita - entre 2012 e 2014 ocorreu em um ritmo quatro vezes mais lento - que parece representar melhor uma tendência de médio e longo prazo do que o breve período de robusta expansão. Só que hoje o desequilíbrio diagnosticado no início dos anos 2000 se agravou. A soma das despesas federais com Previdência e programas sociais, por exemplo, saltou de pouco mais de 6% do PIB para quase 10% entre 2000 e 2014.As despesas federais não financeiras seguiram crescendo num ritmo real próximo a 7% ao ano, até 2014.Assim, os dados sugerem que a causa principal do desequilíbrio fiscal brasileiro é a expansão da política social.

Contudo, é importante deixar claro que o processo de inclusão social que o Brasil vem experimentando é, sem dúvida, um sucesso global. Conseguiu-se dar mais voz aos menos favorecidos e às minorias. Além disso, é óbvio que o processo ainda não foi concluído. Muito ainda há por fazer.No entanto, é preciso tanto prover mais bem estar social como compatibilizá-lo com finanças públicas sólidas. Neste contexto, deve-se procurar fazer mais e melhor com cada real gasto pelo setor público na complexa malha de iniciativas sociais. Os programas de transferência precisam focar em quem, de fato, deva ser merecedor do direito. Por isso, um bom começo, seria eliminar os caronas, isto é, aqueles que não deveriam ser elegíveis aos benefícios sociais.

Em suma, os “erros” de política econômica que foram cometidos ao longo dos últimos anos não parecem os principais responsáveis pela violenta freada da economia nacional. A causa principal aqui apontada é os programas de transferências do governo federal que geram um problema fiscal real e que, por isso, precisam ser reformulados.

 

*Luiz Schymura é pesquisador IBRE/FGV