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Sociedade Aberta por Siro Darlan: Pássaro na muda

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Muitas vezes passamos por tribulações na vida que servem para uma reflexão interior muito importante. Vale a pena continuar lutando por seus ideais? Essa parada é necessária para uma rápida reflexão, mas na vida é impossível parar. Mesmo quando decidimos não avançar, a vida avança. E às vezes temos mesmo a impressão que ela corre. E nesse nosso viver, encontramos diariamente caminhos na nossa frente. Em cada situação há sempre uma opção de estrada. Pode-se escolher a mais longa, mais curta, mais fácil, mais difícil…  É o nosso cérebro que nos guia por vontades, necessidades, coração, emoções… E na verdade nem sempre sabemos aonde nos conduzirá nossa escolha.

O poeta diz que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Por isso não desanimamos. Mesmo que às vezes nos vejamos arruinados, incompreendidos, desprezados, o nosso interior se fortalece e depois de uma fase de muda, voltamos a cantar acreditando cada vez mais eu o ideal de vida está em servir a causa dos mais vulneráveis e explorados. Dizem que essa frase é piegas e demagógica. Não importa os adjetivos, desde que a luta prossiga sincera e com honestidade de propósitos. O volume insignificante de uma tribulação momentânea não deve ofuscar o desejo de servir que nos renova a cada dia.

Importante é a cada dia, cada passo, seguir e assumir. Ninguém, ninguém mesmo pode ou deve ser responsável pelas nossas escolhas. E mesmo quando damos ouvidos a um amigo, aos pais, a escolha final e responsabilidade final sempre será nossa e não devemos lamentar nossas opções, apenas assumi-las com todas as suas consequências. Algumas vezes sofremos porque escolhemos caminhos errados. E sabemos que não há volta  para as caminhadas da vida, mas sempre teremos a opção de dirigir nossos passos para direções diferentes. E então teremos oportunidades para novas e diferentes escolhas, independente dos riscos a correr, o importante é não parar.

Quando se ama alguém ou uma causa, não se trata de uma escolha voluntária de nossa mente ou do coração. Não se pode negar ou fugir do amor a essa causa ou essa amizade. Abraçar qualquer causa tem um custo emocional e físico. O compromisso de vida com a causa dos excluídos me fez buscar a Justiça como ferramenta para servir aos mais vulneráveis e não para servir-me desse poder em causa própria. Isso incomoda muita gente, mas essa vocação é uma escolha estreita e com muitos espinhos, mas é passageiro. Importante é ter a coragem de fazer escolhas sem se manter morno. Não há fé sem práticas e resultados concretos. A mudança encontra resistência, mas vale a pena.

Água para, apodrece e tem mau cheiro. Deus nos deu a liberdade para escolher sempre o Bem. Quero ser como as águas dos rios, correndo sempre em alguma direção, regando flores, que nascem nas margens, matando a fome e a sede de pássaros e homens, até desembocar em grandes mares, não desistindo nunca, nem mesmo diante de incompreensões e rejeições.

*Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.