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Três mulheres do povo e da luta

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Rosângela, Lurdinha, Célia Maria. Quando os três caixões entraram ao som de Maria, Maria, do Milton, no Museu da República no dia 24 de fevereiro, em Brasília, muitos como eu não cantaram, porque as lágrimas não permitiam. Outras e outros, mais fortes, cantaram a plenos pulmões e coração doído: “Mas é preciso ter força/ É preciso ter raça/ É preciso ter gana sempre/ Quem traz no corpo a marca/ Maria, Maria/ Mistura a dor e a alegria.”

Elas eram militantes, linha de frente, lutadoras das causas das mulheres, em especial dos direitos humanos e LGBT, lutadoras das causas do povo, dos sonhos de igualdade, justiça, liberdade. Lutadoras de um Brasil do qual, embora os avanços, as mulheres conquistando espaços e direitos, estamos ainda longe, muito longe.

Rosângela, Lurdinha e Célia Maria morreram em acidente no fim de semana de carnaval, quando viajavam para a Chapada Diamantina, em local próximo a um acidente que vitimou Izabel do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) e da Rede de Rede de Educação Cidadã (RECID) anos atrás. 

Eu não queria mais escrever um artigo assim. Poucos dias antes do acidente falei que estava cansado de escrever artigos sobre pessoas/companheiras/companheiros que partiam antes do tempo, muito antes da hora, fora de época, coisa que tem acontecido por demais.

Rosângela Rigo, gaúcha de Ernestina e gremista, tinha acabado de assumir a Secretaria de Articulação de Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR). A ministra Eleonora Menicucci, na fala de despedida, contou que ela andava especialmente feliz por estar assumindo a Secretaria, sabendo da responsabilidade e do desafio.

Lurdinha Rodrigues, que encontrei nos primeiros dias de fevereiro nas andanças da vida, era Coordenadora da Diversidade da SPM/PR, militante feminista e do movimento LGBT.

Célia Maria Escanfella, amiga de Rosângela e Lurdinha, era professora do Centro Universitário SENAC de São Paulo, Mestrado em Letras e Doutora em Psicologia.

Não são tempos de se perder alguém sem esperar, sem aviso prévio, abruptamente. E elas não terão a felicidade de estarem presentes na sanção da Lei de Tipificação do Feminicídio. A lei inclui o feminicídio na lista de homicídios qualificados e hediondos. A partir da sanção da lei, tirar a vida de uma mulher, pelo simples fato de ela ser do sexo feminino, é um crime hediondo, igualado ao latrocínio, o estupro e o genocídio. Rosângela, Lurdinha, Célia Maria não estarão (ou estarão em espírito e sonho) no Salão Oeste do Palácio do Planalto, dia 9 de março, 15 h, quando a presidenta Dilma Rousseff sancionará a lei.

Na mensagem de pesar no Museu da República, disse a ministra Eleonora Menicucci: “Acima de tudo perdemos grandes amigas e companheiras de militância feminista. Deixam um legado excepcional de coragem, determinação e alegria para a transformação dos sonhos e utopias na luta pelo avanço das conquistas dos direitos das mulheres.”

O Dia Internacional da Mulher é um momento de homenagens. E de luta. Mas a violência de todos os dias – estão aí os estupros em plena USP-, os assassinatos – (ex)maridos e (e)namorados que não aceitam a separação -, as diferenças salariais entre homens e mulheres nos EUA de hoje – como denunciou a atriz Patrícia Arquette na solenidade do Oscar -, a discriminação e os preconceitos de todos os dias mostram que há ainda um longo caminho pela frente na busca da igualdade.

Não podíamos perder vocês, Rosângela, Lurdinha, Célia, mulheres do povo, mulheres da luta, guerreiras, companheiras. Há tanto por fazer, tantas urgências, tanto futuro a construir. Todos os dias olho as fotos de vocês, no material de homenagem da SPM/PR, e penso sobre o quando ainda há por fazer, que não se pode desesperar, que é preciso continuar. Vamos continuar, estamos continuando, cantando todas e todos com o Milton: “Mas é preciso ter manha/ É preciso ter graça/ É preciso ter sonho sempre/ Quem traz na pele essa marca/ Possui a estranha mania/ De ter fé na vida.”

Viva as mulheres do povo! Viva as mulheres da luta!


*Selvino Heck é assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República