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O sargento, a ave e a gaita

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Um vazio literário com a perda de três grandes escritores marcou o inverno brasileiro neste ano. Se por um lado a morte revela o aspecto triste da ausência, por outro imortaliza personagens e obras daqueles que narraram em versos e prosas a cultura popular.

No livro Um mundo num grão de areia, Rubem Alves fala de textos que tomam rumo ignorado. Sua crônica escrita para a filhinha não ter medo de sua ausência se transformou em aconselhamento a noivos, em reflexão sobre Deus e – pobre autor – bem retrata o agora: “... a saudade é um perfume que torna encantados a todos os que o sentem. Quem tem saudades está amando. Tenho que partir para que a saudade exista e para que eu continue a amá-la e você continue a me amar...

Sargento Getúlio, um clássico de João Ubaldo, termina com o monólogo do personagem central cercado por tropas. Fala, fala como para ter consciência, fala para existir, ao menos ao morrer. E... vai. Diz também do escritor? Que escreve, escreve como que buscando nas palavras sentido para a jornada.

Ariano Suassuna, no sem igual Auto da Compadecida, no sabido João Grilo, cria a Gaita contra a morte. Como gostaríamos que fosse possível driblar o tempo, os sofrimentos, as ausências, a morte! E eternizar a beleza de um Rubem Alves, de João Ubaldo, de Ariano Suassuna. Mas é possível, sim! Essa gaita toca sempre que um livro se abre. Chicó ganha vida e dança ao som da música, da beleza das palavras. Já o texto forte de João Ubaldo prossegue e o Pássaro encantado, de Rubem Alves voa e canta.

O Brasil perde, a obra permanece e a literatura continua... Enquanto a alma repousa em paz frente à beleza plena, bem dita por outro escritor, Agostinho de Hipona: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está nosso coração enquanto não repousa em ti.

 

* Osvaldo Luiz Silva, jornalista e autor do livro 'Ternura de Deus', é editor da revista 'Canção Nova', além de membro da Academia Cachoeirense de Letras e Artes em Cachoeira Paulista/SP.