ASSINE
search button

O Brasil necessita aperfeiçoar seu processo orçamentário?

Compartilhar

O orçamento público, depois da própria Constituição, é a lei, ou seja, o instrumento mais importante de um país. É no texto da lei orçamentária que estão delineadas, além das despesas correntes, que irão permitir o funcionamento da máquina governamental, as despesas de investimentos, notadamente para execução de obras de infraestruturas, como pontes, estradas, portos, hidroelétricas, etc, e as políticas públicas (educação, saúde, segurança, etc), bem como os valores definidos para custeá-las. Sem que o orçamento seja aprovado pelo Parlamento, o governante fica tolhido nas suas ações, especialmente na execução dos projetos de infraestrutura, e na realização das políticas públicas.

Apesar de sua relevância, constata-se que os prazos para o envio das propostas orçamentárias estarem fixados na Constituição federal de 1988 (art. 35, §2º, do ADCT), a aprovação da lei orçamentária anual (LOA) no mesmo ano de sua vigência no Brasil vem se tornando uma prática comum. As causas, omissões e motivações políticas que estão presentes nas sistemáticas protelações pelo Congresso Nacional na aprovação da lei orçamentária merece uma maior reflexão por parte da sociedade brasileira.

O Poder Legislativo, ao aprovar a LOA no mesmo exercício de sua execução — como ocorreu com a LOA do atual exercício, que foi votada e aprovada somente em meados de março de 2014 — incorre na desobediência aos princípios essenciais da Carta Magna, com destaque para o princípio da supremacia da Constituição, o republicano e o devido processo parlamentar, além de dificultar a governança do país, causando prejuízos para sociedade.

O fato de o Congresso Nacional não votar a lei orçamentária no prazo adequado, definido pela Constituição federal, independentemente dos motivos políticos em jogo, é preocupante e inaceitável, visto que eles criam um vácuo intransponível no processo de governança do Estado, imobilizando a administração pública. Afeta por decorrência os interesses da sociedade, criando insegurança administrativa e jurídica, além de enfraquecer a instituição Parlamento.

A não aprovação da lei orçamentária anual impede o governo de iniciar novos investimentos, na medida em que a lei de diretrizes orçamentária estabelece que os gastos fiquem restritos à execução das despesas obrigatórias. Dessa forma, o governo pode gastar  1/12 da LOA do ano anterior. Os investimentos nas obras em execução, por sua vez, podem ser feitos com restos a pagar, visto que são recursos transferidos do ano anterior para o exercício atual. Por sua vez, o ordenamento jurídico brasileiro não oferece soluções expressas para diversos casos que se ligam ao processo de análise e aprovação da LOA pelo Parlamento. Essa carência descrita é um fator preocupante para o enfraquecimento do Poder Legislativo frente ao Executivo.

Conforme se pode depreender desta análise, em que pese o sistema orçamentário brasileiro não permitir a demora nas várias etapas de planejamento e execução das ações governamentais, a postergação pelo Congresso Nacional na aprovação da lei orçamentária anual é inadmissível num país com uma sociedade e uma economia evoluída e complexa como a brasileira. A peça orçamentária, quando aprovada no mesmo exercício financeiro em que será executada, apresenta-se como uma afronta direta aos princípios constitucionais da legalidade, da precedência e da anualidade — visto que neste caso a lei orçamentária tem uma duração inferior a 12 meses — criando um clima de desconforto e de insegurança no país, além de colocar de joelhos a instituição Parlamento diante do Poder Executivo.

Diante da relevância do assunto, espera-se que os candidatos a presidente da República incluam nas suas agendas políticas e nos planos de governo o aperfeiçoamento do capítulo da Constituição que trata das finanças públicas para corrigir as distorções assinaladas. Esse esforço deveria iniciar-se pela votação do projeto de lei complementar que regulamenta o art. 165, §9°, da Constituição federal, em substituição à Lei 4.320, de 1964 (Lei de Orçamento), que se encontra ultrapassada no espaço e no tempo.

* José Matias-Pereira, economista e advogado, é professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília, além de autor,  entre outras obras,  de 'Finanças públicas – Foco na política fiscal, no planejamento e no orçamento público'.