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Para 2014... decido e espero

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Nos primeiros dias do ano, recuso-me a fazer a sempiterna lista de decisões e resoluções.  Primeiro, porque são quase sempre as mesmas.  E as que se repetem, em geral, é porque não as cumpri, ou não completamente tal como havia resolvido.  Segundo, porque fazê-las no ano-novo tem talvez o valor simbólico de começar algo novo no ano que vai iniciar-se.  Mas certamente não por isso tem mais força de persuasão e de motivação do que se as fizesse em algum outro momento do ano. 

Penso, além disso, que há coisas que muito desejo para 2014, mas não posso decidir que aconteçam ou resolver, sem mais, fazer.  E estas são, talvez... talvez não, certamente as mais importantes.  E por que não posso fazer ou resolver?  Porque não dependem de mim.  Não tenho poder nem força para que aconteçam, tal qual as fadas nos contos da minha infância, levantando a varinha e fazendo o condão acontecer na realidade: a menina esfarrapada virava princesa, a abóbora, carruagem, os ratos, palafreneiros e assim por diante.

Não sou fada, não faço mágicas nem tenho varinha de condão.  Mas Deus, Senhor da História, tornou-me, sim, poderosa de outra maneira.  Sou um ser de desejos, e a quem é possível a esperança.  E, se neste início de ano vou rememorar as decisões que sempre tomo e cumpro parcialmente ou não cumpro – fazer dieta, exercícios físicos, levantar mais cedo, dormir idem, terminar um livro que está parado há muito tempo – decido dedicar-me ao longo do ano mais às coisas que não estão ao meu alcance fazer, mas apenas desejar e esperar. Até porque, tal como a condessa do memorável livro de Bernanos confessa ao pároco de aldeia, “pequei contra a esperança todos os dias da minha vida”. Isso é verdade de mim nos últimos tempos, e humildemente o confesso ao leitor.         Por exemplo, não esperava que Deus desse tamanho chefe a sua Igreja.  E quando anunciaram o nome do cardeal Bergoglio, fiquei perplexa.  Já ia ensaiando uma crítica daquelas que aprendi nos bancos acadêmicos, quando o mundo inteiro ouviu ressoar o singelo “Buona sera” do pontífice recém-eleito.  E a partir daí tudo foi diferente. Cada dia é um despertar com renovada alegria e esperança, indo correndo aos jornais para ler as notícias de mais alguma bela atitude, gesto ou declaração desse que se tornou a personalidade do ano e mudou a imagem da Igreja Católica em dias.  Meu amor por minha Igreja, que nunca esmoreceu nem desfaleceu, agora vai atravessado de sadio orgulho.  Não é obra minha, nem tive participação nisso, a não ser com oração.  Mas desejei, esperei, assim como tantos outros. E aí está.  Habemus papam...para corrigir minha falta de fé. 

Não esperava que os jovens se mobilizassem e fossem às ruas.  Não via isso desde o famigerado governo Collor.  E, no entanto, aconteceu.  Após décadas em que acusamos a juventude de ser alienada, de só olhar para seu umbigo e seu iphone, de só se interessar por seu celular, a pororoca das manifestações aconteceu.  Apesar de toda a sua ambiguidade, de todos os seus desvios.  Apesar dos blackblocks ou whiteblocks, ou seja de que cor forem os infiltrados.  Mas viu-se e constatou-se que  algo para além do Iphone, do Ipad, do II (aiai) de Steve Jobs consegue mobilizar as novas gerações, indigná-las e fazer com que vão às ruas protestar, reivindicar, arriscar segurança e bem-estar pelo bem comum. Como tantos, acompanhei esta voz rouca das ruas que,  se não alcançou tudo o que desejava,  certamente desestabilizou bastante aquilo que alguns achavam que era intocável patrimônio de omissão e irresponsabilidade.  Haverá que pensar um pouco mais ao desrespeitar tanto o povo brasileiro.  É um processo longo, mas não se pode ignorar que ele já começou. 

Por essas e outras, para 2014 desejo e espero.  Que as eleições constituam um momento de verdadeira consciência pública e cívica, com honestos e abertos debates acontecendo no país, e nós, eleitores, votando não segundo  pequenos e comezinhos interesses pessoais mas segundo os interesses da maioria mais pobre e necessitada.  Que a Copa do Mundo não enlouqueça os brasileiros, mas sim seja apenas um belo momento onde o esporte nacional, paixão nossa de cada dia, aconteça pacificamente, sem agressões físicas de torcedor a torcedor.  E sem obnubilar as outras questões sérias do dia a dia – trabalho, esforço, criatividade – transformando-nos em 200 milhões de pessoas que não fazem nada mais a não ser olhar para uma telinha ou telona ou acotovelar-se brutalmente em estádios. 

Desejo e espero que a liberdade de pensamento seja uma realidade, e não tenhamos mais que viver a vergonha de ver jovens estudantes ou trabalhadores vaiando alto a blogueira cubana Yohanni Sánchez, impedindo-a de falar. E que a  poesia volte a ocupar seu lugar central na alma do povo brasileiro.  Desejo e espero que, por favor, não haja mais pessoas jovens e válidas física e mentalmente que se dediquem a pichar a estátua do poeta maior Carlos Drummond de Andrade.  De que adianta ser potência mundial se não respeitamos os poetas, cantores nossos, responsáveis pela lírica que expressa o melhor de nós? 

Desejo e espero muitas outras coisas.  Espero que o leitor faça crescer minha lista de desejos e esperanças.  Que venha 2014!  E nele não nos cansemos de desejar e esperar  tudo aquilo que nos faz mais humanos e mais dignos de ser chamados filhos de Deus!  Feliz Ano Novo!

* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga e professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de vários livros como 'Ser cristão hoje' (Ed. Ave Maria) e 'O  mistério e o mundo – Paixão por  Deus em tempo de descrença' (Editora Rocco). - [email protected] ,  https://agape.usuarios.rdc.puc-rio.br