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Cinco tauras e uma lufada de vento

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13 de julho, férias finalmente, dia seguinte à reunião do Mercosul em Montevidéu, viajo para o Sul. Abro os jornais, vejo uma foto grande, que toca o fundo do coração. Cinco presidentes, um ao lado do outro, sorridentes, conversando uns com os outros. Duas mulheres, três homens, cinco histórias diferentes, mas que histórias!

Evo Morales, presidente da Bolívia, indígena, cocalero uru-aimará, sem gravata. Cristina Kirchner, presidente da Argentina, mulher, vinda, com seu falecido esposo, ex-presidente Néstor, de uma pequena província do sul, da Patagônia. Pepe Mujíca, presidente do Uruguai, ex-guerrilheiro tupamaro, ex-preso político, morador de uma chácara simples nos arredores do Montevidéu, sem gravata. Dilma Rousseff, presidente do Brasil, mulher, ex-presa política. Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, sucessor de Chávez, ex-maquinista e sindicalista.

Há uma rica história atrás destes cinco líderes, uma história pessoal, uma história política de luta pela democracia, uma história de um continente.

Na reunião do Mercosul, os presidentes discutiram o fato acontecido com Evo Morales. De volta da Rússia para seu país, o avião onde estava não recebeu permissão para pousar, a não ser que concordasse com uma revista do seu interior, porque teria a bordo Edward Snowden, o espião da CIA que vem assombrando o mundo com suas revelações. E debateram as ações de espionagem dos EUA em todo  mundo denunciadas por Snowden, o Brasil e os Brics como alvos principais, mas também a aliada Europa.

A América do Sul levantou a voz. Como disse Cristina Kirchner, “podem ser formas mais sutis do que as que conhecemos há dois séculos, mas são novas formas de colonialismo. Que ninguém se engane: esta não é uma defesa do presidente da Bolívia, isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós. Tem a ver com a dignidade de nossos países e nossos povos”.

E nas palavras da presidenta Dilma: “Não podemos aceitar isso de nenhuma forma. Fere a cada um de nós presidentes que participam dos foros da Celac, Unasul ou Mercosul. Defendo com unhas e dentes as redes sociais como maiores conquistas para a liberdade, livre manifestação e democratização. Agora, é fundamental que isso não signifique invasão da privacidade por parte do Estado. O Estado não pode ser o Grande Olho, o Grande Irmão, aquele que sabe tudo das pessoas e inibe as pessoas”.

Os fatos demonstram pelo menos duas coisas. As potências lançam mão de todos os meios para manter a hegemonia sobre o mundo, hegemonia que estão perdendo a cada dia. E o continente latino-americano agora é dono do seu nariz. Não mais permite interferências externas que atentem contra sua soberania, não é mais subserviente, não é mais colônia.

Em férias, pude acompanhar razoavelmente a memorável passagem do papa Francisco pelo Brasil. Multidões nas ruas, emoção, alegria. E o papa Francisco disse coisas importantes. Como, por exemplo: “Temos de reabilitar a política, que é uma das formas mais altas de caridade. O futuro exige de nós uma visão mais humanista da economia e uma política que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza”. Ou quando disse: “Um país cresce quando dialogam de modo construtivo diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, juvenil, artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia”.

Foi histórica a frase do papa Francisco: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”.

Como foi histórica e animadora a recomendação do papa Francisco aos jovens: “Sejam revolucionários. Tenham  a coragem de ir contra a corrente. Tenham a coragem de ser felizes. Vocês, jovens, são os protagonistas das mudanças na sociedade. Sejam revolucionários”.

Não são todos os presidentes que falam e agem como falaram e agiram e a agem os presidentes do Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Venezuela. Não são todos os papas que pedem aos jovens para que sejam revolucionários.

O mundo, a América Latina e o Brasil precisam de revolucionários. O mundo, a América Latina e o Brasil precisam de diferentes vozes e de tolerância. O mundo, a América e o Brasil precisam de uma economia e de uma política mais humanistas, “que realizem cada vez mais e melhor a participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza”, em países e sociedades em que “dialogam de modo construtivo diversas riquezas culturais”.

São cinco tauras – taura, no dicionário português-gauchês: indivíduo/pessoa valente, arrojado/a, destemido/a, enérgico/a, que está sempre disposto a tudo –  e uma lufada de vento fresco no calor da tarde, de um papa, não por acaso, argentino, sul-americano, latino-americano.

Este continente tem futuro por seus líderes e por seu povo.

* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.