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Amarildos

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Um homem de corpo magro e traços nordestinos é abordado, certa noite, pela polícia militar da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade Rocinha, na Zona Oeste do Rio e é levado para sua sede. O grupo de homens fardados sobe rapidamente as escadas com o “suspeito”, levando-o até o pequeno prédio policial dentro da favela. O intuito não é muito claro. O pretexto, a princípio, é averiguação de indícios de ligação com tráfico. O franzino homem e outros quatro policiais entram na UPP. Depois disso, nada se sabe.

A história é o mais recente capítulo, dentre tantos, no roteiro de desaparecimentos do Rio de Janeiro.  O sumiço do pedreiro Amarildo Dias, de 47 anos, após ser levado para uma UPP, é uma acusação que se impõe contra a corporação que tem como designação proteger os cidadãos – seja no morro, seja no asfalto, seja onde for. Espanta mais ainda quando os detalhes passam a ser revelados pela Polícia Civil. Dos quatro policiais afastados no caso, um deles já havia sido punido por denúncia de agressão contra moradores locais.

Não é preciso voltar muito no tempo para lembrar que os capítulos se repetem de forma concomitante no estado. Há um mês, no calor dos protestos nacionais, onze pessoas morreram durante incursão da polícia no complexo de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio. Dentre os mortos, um senhor e um jovem sem antecedentes criminais. De acordo com relato de moradores à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), após a ação militar, até mortes feitas por perfuração foram identificadas nos corpos. Uma chacina com teor anônimo no coração da periferia.

É preciso evitar a generalização, visto que há esforços pela mudança de comportamento e mentalidade das corporações policiais no País e os bons serviços prestados por muitos destes homens de farda à sociedade brasileira. Mas também não podemos ser coniventes ou passivos diante do arbítrio, da violação de direitos humanos, dos crimes e dos desvios cometidos por agentes públicos membros das forças policiais.

Positivamente, as recentes manifestações têm dado um gigantesco corpo às lutas por direitos humanos. Isso ocorre quando movimentos sociais e populares se unem à sociedade civil e, de mãos dadas, reforçam suas reivindicações em bandeiras antigas e atuais. A mobilização se difunde de forma virulenta, nas redes sociais e na boca das novas gerações. O incômodo humanista faz parte daqueles que não aceitam o atual poder militar da polícia que mata e some com suas vítimas. Vítimas, essas, sem revide, sem motivo para autos de resistência, sem indícios claros de envolvimento com o crime. São “Amarildos” em números frios da estatística.

Amanhã (01), um grande ato será feito em homenagem a Amarildo na favela da Rocinha, orquestrado pelo Coletivo Alemão, o movimento redes contra a Violência, familiares do pedreiro e outras representações sociais.  A proposta é cobrar o esclarecimento rápido e concreto do desaparecimento não só dele, mas como de outros tantos moradores de comunidades carentes com destino incerto. Muitos destes casos – senão todos – possuem envolvimento da polícia militar. A população, em uníssono, perguntará novamente onde está Amarildo. Cabe agora ao Estado garantir essa resposta de forma clara, objetiva e rápida.

*Jandira Feghali é médica, deputada federal pelo PCdoB-RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados