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Combater a inflação com recessão é estratégia ultrapassada

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Desde 2011, o Banco Central do Brasil (BCB) acompanhou um movimento realizado por vários bancos centrais depois da crise financeira de 2008 e atualizou a regulação macroprudencial. Passou a contar menos variações da taxa de juros e mais com controles quantitativos para regular a oferta de crédito.

A instituição também diminuiu a enorme diferença entre as taxas de juros básicas no Brasil e no resto do mundo, iniciando um ciclo de redução da Selic em agosto de 2011 que foi objeto de fortes críticas oriundas de economistas ligados ao mercado de capitais, centros universitários ortodoxos e consultorias financeiras.

A divergência de opiniões levou, como sempre, a acusações de “intervenção política” mesmo depois de ficar claro que a instituição acertou ao avaliar o cenário internacional e a tendência de inflação no Brasil. Ao invés de admitir o erro, argumentou-se algo como o BCB “arriscou e deu sorte” ao reduzir taxas de juros.

Hoje é pouco provável que um eventual ciclo de elevação de juros seja da intensidade exigida por quem criticou a queda anterior, pois estamos longe de um sobreaquecimento da economia. Temos uma inflação resultante de choques de custo que pode ser acomodada pelo regime de metas sem fortes elevações de juros para conter a demanda.

As pressões de custos resultaram da depreciação cambial, do choque de preços agrícolas e da significativa elevação dos fretes vinculada, sobretudo, a normas ambientais para caminhões. Sem o choque agrícola, a inflação em março já estaria no centro da meta.

Nenhuma das três pressões deve se repetir depois de empurrar a inflação para patamar próximo ao topo da meta oficial, o que será revertido pela entrada de safra agrícola recorde e pela continuidade da forte pressão competitiva na indústria mundial.

Uma pressão de custo mais permanente é a tendência de elevação dos preços de serviços intensivos em trabalho. Experimentamos hoje uma reversão da tendência histórica de desvalorização desse tipo de trabalho, em parte porque a democracia brasileira escolheu elevar o salário mínimo, que ainda baliza a escala de remunerações em serviços intensivos em trabalho.

A formalização do emprego e a elevação do salário mínimo explicam melhor o custo dos serviços do que um inexistente sobreaquecimento da economia. Se a demanda agregada estivesse pressionando o mercado de trabalho para além dos limites, é difícil explicar por que os ganhos reais de salários nos últimos quatro anos ficaram em torno de 1,5% ao ano (para todos os trabalhadores brasileiros e não apenas das seis regiões metropolitanas), ou seja, aquém do aumento médio da produtividade nacional em 2% ao ano.

Um aumento dos juros não vai fazer retroceder o processo de aumento do poder de compra dos salários (e nem deveria), tampouco vai regular as chuvas nas plantações de tomate. Mal dosado, pode levar a uma redução do investimento. Isso seria uma estratégia ultrapassada e contraproducente, dada a necessidade de investimentos para aumentar ainda mais o produto potencial da economia. 

Como afirmado pela presidenta Dilma, o combate à inflação é um “valor em si”, e todos concordamos. Mas achar que a política econômica se resume a exagerar no aumento de juros (e reduzi-los com muita parcimônia) só pode derivar de dogmatismo ou, na pior das hipóteses, do interesse daqueles cuja finalidade é ganhar com juros altos.

* Professores Doutores do Instituto de Economia da Unicamp