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A renúncia de Bento XVI

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A segunda-feira dia 11 de fevereiro, em pleno Carnaval, entrou na história pelo anúncio da renúncia de Bento XVI. As palavras do sucessor de Pedro ressoaram mundo afora:  “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras mas, também e igualmente, sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor, quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo em mim de tal modo que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de bispo de Roma, sucessor de São Pedro”. 

Por ocasião da eleição do cardeal Joseph Ratzinger, o mundo foi tomado por várias análises do pontificado de um papa alemão e sucessor de João Paulo II. Com muita simpatia e serenidade, o papa, que era tomado como frio, conservador e gélido, foi tomando espaço pela sua humildade, inteligência e profundidade. Arrastou por onde passou uma grande multidão de católicos, dispostos a ouvirem suas palavras de pai e pastor. A juventude encontrou em Bento XVI um porto seguro, que orientava a permanecer firme em sua fé e conduta em meio a um mundo relativista e cada dia mais laicizado. Sem pestanejar, intitularam-se “a juventude do papa” e, por consequência, de Cristo, já que o papa é o vigário de Cristo na terra. O papa também surpreendeu pela sua proximidade com outras religiões, estabeleceu diálogo e atitudes de grande abertura com os muçulmanos, os judeus e os cristãos ortodoxos. Alguns analistas chegam a afirmar que nunca se caminhou tanto no diálogo ecumênico e inter-religioso. Bento XVI, que fora tomado como conservador, soube guiar a barca de Pedro, a Igreja, em meio a tantas crises e tormentas que a atingiram. Em nenhum momento ele se furtou diante das culpas e responsabilidades, mas pautou-se com coerência, clamando a todo mundo que aumentasse suas orações pela conversão da Igreja militante, hierarquia e fieis. Bento XVI revelou-nos o essencial do cristianismo. Devemos, enquanto batizados, voltar os olhos para Cristo. Ele é o centro de nossa fé. 

Por tudo isso e muito mais, Bento XVI marcou a história da Igreja e do mundo. O ato de renúncia ao governo petrino deixa um grande vazio em nossos corações. É impossível não nos sentirmos como que órfãos. Mas isso demonstra claramente que a Igreja Católica não se fundamenta em homens mas em Cristo, que jamais a abandona.

A renúncia de Bento XVI não é de hoje ou do dia 11 de fevereiro. Sua vida de renúncia teve início em 1939, quando decidiu entrar no seminário. Renunciou a ter uma família, ao conforto dos bens e dos carinhos por causa de algo muito maior, do Reino de Deus. Estranha-nos a renúncia nos tempos de hoje, tão acostumados estamos a apegarmo-nos a cargos, posições, bens, status, fama. Pois bem, o papa renunciou, e isso deve provocar e questionar as paixões que trazemos na obscuridade de nosso coração.

No último Ângelus, dia 24, Bento XVI disse que não está abandonando a Igreja. “O Senhor me chama a ‘subir o monte’, para me dedicar ainda mais à oração e à meditação. Mas isto não significa abandonar a Igreja, pelo contrário. Se Deus me pede isso, é precisamente para que eu possa continuar a servi-la com a mesma dedicação e o mesmo amor como fiz até agora, mas de um modo mais adequado à minha idade e às minhas forças”. Bento XVI, com a mesma humildade e simplicidade que assumiu a sucessão pontifícia, como “simples servo na vinha do Senhor”, se despede de seu ofício, com serenidade e gratidão por ter servido a Igreja e o próprio Cristo. “Caríssimos irmãos, verdadeiramente de coração vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos”.

O gesto de Bento XVI, que presenciaremos neste dia, não é digno de qualquer homem, mas somente daqueles que trazem em si o espírito de abnegação, confiança e entrega total ao Transcedente. Este é Bento XVI, tímido com relação à grande multidão; mas corajoso e audaz em suas posições e ações. Sua atitude pede, a cada um, confiança e fé. Jamais as portas do inferno vão prevalecer contra a Igreja de Cristo

 

* Geraldo Trindade é bacharel em filosofia e mantém o blog pensarparalelo.blogspot.com