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O vício toma conta e escraviza

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A Praça Sete é desígnio de liberdade. É trilha para refletir sobre a emancipação. E no encontro marcado do Café Nice a polêmica sempre prospera. Em um desses repertórios, ouvi no calor do debate: “Pitei, mas não traguei droga nenhuma”. Nesta droga de vida repleta de conflitos — violência urbana, truculência cotidiana, trabalho repetitivo, sexo fugaz, barulho estridente, descarrego, ladainhas e pregação— muitos seres humanos não encontram silêncio e tranquilidade da alma. Lentamente vão sucumbindo, perambulam e tornam-se zumbis urbanos.

Nesse contexto, o alívio de muitos vira o tormento para outros. O vício toma conta e escraviza. A droga é assunto complexo. Está repleto de adoecimento, delírios, violência, morte, preconceito e paixão. Não sou especialista, mas pago tributos e sou um cidadão que reflete sobre os valores das coisas e o insondável do psiquismo. Nunca gostei muito de fumo ou chumaço de cigarro. Fumaça somente da velha locomotiva, do trem de ferro ou de um bom churrasco. De excessos, permito-me o chope ou a cerveja gelada, de preferência no bar do Marcinho, com um bom tira-gosto.

Na juventude, nos idos da década de 70, confesso que pitei, mas não traguei. Nunca fui apreciador da cannabis. Não faço apologia às drogas ou qualquer vício. A sociedade carece de novos paradigmas para tratar desse grande problema. Neste turbilhão que envolve guerra de traficantes, viciados em crack, violência banalizada, excessos policiais, moralismo em ascensão e famílias destruídas, o debate é tão necessário quanto urgente.

Os EUA gastam bilhões e não conseguem dar conta deste bilionário mercado. A indústria multinacional da droga gera excessos de toda ordem. De acordo com a enciclopédia online Wikipédia, “algumas estimativas do comércio global puseram o valor das drogas ilegais em cerca de US$ 400 bilhões no ano 2000, o que, somado ao mesmo tempo ao valor do comércio global de drogas legalizadas (tais como o tabaco e o álcool), corresponde a uma quantidade superior ao dinheiro gasto para a alimentação no mesmo período de tempo. Em 2005, o Relatório mundial sobre drogas das Nações Unidas informou que o valor do mercado ilícito de drogas foi estimado em 13 bilhões de dólares ao nível de produção, 94 bilhões ao nível de preço de mercado e a mais de 1 trilhão baseado nos preços de cultura, levando em conta inclusive as perdas”. Precisamos deixar de ser hipócritas e tratar desse assunto com toda a sociedade de forma ampla e madura. A descriminalização da droga, o mapeamento dos produtores e consumidores, o gasto público com saúde e segurança pública na repressão e todo o aparato que as drogas ilícitas demandam, carece de ser debatido considerando a possibilidade de algum nível de legalização. É necessário reescrever o Estatuto da droga convocando todos os especialistas, autoridades públicas, usuários, produtores, familiares, religiosos, educadores e todos que podem colaborar para desatar este nó da sociedade. Do contrário, continuaremos sofrendo com as drogas da hipocrisia e da indiferença.

Sou da geração que fumou cigarro de chuchu, palha, papel de jornal e depois evoluiu para a “maldita” ou “bendita” maconha. Frequentemente ouço comentários que fulano continua pitando, desde o tempo da faculdade, e vive bem. Dá conta dos seus compromissos familiares e profissionais. Esses pitaram, tragaram e não piraram. Muitos sucumbiram ao desatino.

Precisamos de muita ousadia para encarar o problema, promover debates, seminários sobre política de reparação de danos, aprofundamento da descriminalização de drogas “leves” e permitir a manifestação da marcha da maconha. Para esse tema, não há uma resposta pronta e acabada, mas é necessário coragem para assumir um problema que inferniza nossa sociedade.

 

*Antônio de Pádua Galvão, economista, é psicanalista e professor. - www.galvaoconsultoria.com.br