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2012 – o fim do mundo

A importância da astronomia maia em face às crenças

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Nas selvas do Iucatã, no México, e nas regiões vizinhas da Guatemala e de Honduras encontram-se ruínas que, minuciosamente estudadas, vêm podendo comprovar o grande desenvolvimento intelectual, cultural, religioso e artístico dos maias. A origem da civilização maia permanece desconhecida, mas sabe-se que data de muitos séculos antes do advento do cristianismo; seu apogeu, no entanto, só foi alcançado entre os anos 250 e 1000 da nossa era.       

Contudo, seus conhecimentos astronômicos, aritméticos e de cronologia talvez não sejam jamais conhecidos em toda a sua extensão, pois, em julho de 1562, vinte manuscritos - códigos - maias e cerca de 5 mil estelas com inscrições foram destruídos sob ordens de frei Diego de Landa. Mais tarde, na Espanha, ao escrever sua obra Relación de las cosas de Yucatan, Landa relatou que os sacerdotes maias eram peritos em astronomia, e que seus conhecimentos se transmitiam de geração em geração. 

Atualmente, só se dispõe de três destes manuscritos para estudar e avaliar os conhecimentos desta civilização pré-colombiana: o Codex dresdensis, na Biblioteca de Dresden, na Alemanha; o Codex peresianus, na Biblioteca Nacional de Paris; e o Codex tro-cortesianus, no Museu Arqueológico de Madri. Estes documentos, habitualmente denominados Códigos de Dresden, Paris, e Madri, comprovam que o desenvolvimento dos maias em assuntos aritméticos e astronômicos era equivalente ou mesmo superior ao de outras civilizações ocidentais contemporâneas. Um dos bons exemplos disto é o fato de terem conhecido o conceito do zero muito antes da sua introdução na Europa. 

Contudo, o estudo detalhado destes hieróglifos também ainda não se completou, já que a própria escrita maia não foi, até o momento, totalmente decifrada. Os progressos neste sentido referem-se, sobretudo aos glifos de significado astronômico ou cronológico, devendo-se este trabalho ao abade Brasseur de Bourgoug, que no século 19 encontrou a Relación, de Landa, e a partir dela conseguiu identificar os pictogramas dos dias e interpretar o seu tema de numeração. 

Além deste trabalho específico, não se foi muito longe. O próprio Landa legou-nos um alfabeto maia com 29 símbolos. No entanto, houve malogro completo quando alguns especialistas bastante conceituados tentaram obter decifrações baseadas unicamente nos princípios fonéticos sugeridos por este alfabeto. Partiu-se então para a concepção de que a escrita maia seria ideográfica, com símbolos fonéticos nela encaixados. Nestas pesquisas destacou-se o soviético Yuri Knorosov, um estudioso da escrita hieroglífica dos egípcios. Seu ponto de partida foi o próprio alfabeto de Landa, e suas primeiras conclusões evidenciaram a natureza fonético-silábica da língua maia. Além disto, há fortes suspeitas de que tivessem sido acrescentados complementos fonéticos aos ideogramas, com o objetivo de facilitar a sua leitura. O processo de decifração segue este caminho, mas a grande dificuldade encontrada tem sido a identificação destes complementos fonéticos.

 

Sistema numérico 

No que se refere ao sistema numérico, os maias operavam somente com três símbolos: um ponto para representar o algarismo um, um traço horizontal para significar o algarismo cinco e uma concha estilizada para o zero. E, adotando o princípio da numeração posicional, eles chegaram ao que o historiador da ciência Otto Neugebauer classifica de "uma das mais férteis invenções da humanidade". Enquanto os romanos utilizavam o complexo sistema de números aditivos, os maias adotavam um sistema em que a posição de um símbolo numérico determinava o seu valor. Desta maneira, apenas três símbolos eram suficientes para expressar quaisquer números, por maiores que fossem. 

Ao contrário do nosso sistema decimal, de origem hindu, os maias empregavam um sistema vigesimal em que os valores aumentavam de baixo para cima, em colunas verticais. Desse modo, um ponto no primeiro e mais baixo nível simbolizava o valor um; um ponto no nível superior, o valor vinte; aquele que ocupava uma posição acima desse último valor, quatrocentos; depois seguia-se o oito mil, etc. O vinte era representado por um ponto acima da concha estilizada, símbolo do zero. 

O conceito do zero, tal como os maias o concebiam, só surgiu na Europa trazido pelo árabes e hindus muitos anos depois de já ser conhecido pelos sábios da América. Foi o célebre matemático indiano Bhâskara quem estabeleceu, no século 12, as regras do zero como sinônimo de nada, definindo-o como um número com o qual se poderia efetuar operações tais como a a+0= a ou ax0 = 0. Estas noções, ao que tudo indica, parecem ter sido também utilizadas pelos maias, que realizavam operações de soma, subtração e mesmo de multiplicação e divisão, embora ainda não tenham sido encontradas provas de utilização das duas últimas.       

 

Concordância entre os calendários maia e o nosso calendário 

O problema da concordância entre o nosso calendário e os calendários maia é conhecido como correlação. Este ajuste ou concordância é realizado por intermédio do dia do período juliano. Essa correlação é o valor da diferença entre a origem da longa contagem maia e a origem do período juliano. Se alguém conhecesse o valor dessa correlação, bastaria adicioná-la a conta longa para obter o dia juliano,  para depois aplicar esta data no calendário de nossa escolha (calendário juliano ou calendário gregoriano).  

Desde o início do século 20, muitos estudiosos (historiadores ou astrônomos) estudaram este problema e mais de 60 soluções foram propostas, quase todas muito dispersas (cerca de mil anos de intervalo entre as correlações extremas), o que é fator indicador das dificuldades do problema. 

As primeiras pesquisas foram realizadas por historiadores. As correlações entre os calendários maias e o nosso calendário foram estabelecidas com base na concordância entre as datas do calendário juliano e o calendário ritual em uso na época da conquista espanhola. Depois de muitas divergências, os historiadores, desde meados do século 20, adotaram a chamada correlação GMT 584 283 (de Goodman-Martinez-Thompson). Se essa correlação se ajusta claramente às datas do calendário ritual do pós-clássico, apresenta discordâncias com as datas dos fenômenos astronômicos registrados nas tábuas astronômicas do Códex Dresde – o mais antigo dos quatros Códex maia conhecido até hoje. Os astrônomos também propuseram soluções baseadas na interpretação de tábuas do códice e datas das estações gravadas nas estelas (Copán, Quirigua e Piedras Negras). Mas, novamente, várias soluções têm sido desenvolvidas com base nestas suposições. O problema da interpretação das datas do códice é complexo. 

Em 1996, V. Böhm e B. Böhm, na suposição de que as primeiras datas de início nas tábuas eram datas de observações e usando um método estatístico, levando a quatro valores possíveis para a correlação (438.906, 530.584, 600.070 e 622.261). Entre esses quatro valores, apenas o último, a correlação 622 261, permite recuperar as máximas elongações de Mercúrio. Doze anos depois, o mesmo estudo foi repetido utilizando um método estatístico mais rigoroso e novas datas para outros fenômenos astronômicos (conjunções planetárias). 

A correlação 622 261 foi confirmada, com explicações convincentes, baseada no salto 17 dias do ano, emitidas para apontar as concordâncias da época do bispo espanhol Diego de Landa (1524-1579), que ordenou a destruição de vários Códex maia, em 1562.  No entanto, esta nova correlação ainda não convenceu os historiadores, e eles continuam a usar a correlação GMT, que se impôs ao longo dos anos.

 

As profecias maias 

Por que o fim do mundo vai ocorrer, precisamente, em 2012? Se você acredita nos livros, nos sites, nos documentários, etc, que tratam do assunto, é bom saber que esta data foi estabelecida pelo calendário maia. Só que essa civilização não profetizou o dia  21 de dezembro de 2012. Esta data é resultado de uma convenção usada para contar a passagem do tempo. Acontece que, no calendário amerindo (denominado longo), esta data é escrita em algoritmos redondos: 13.00.0.0. Os maias não usavam o sistema de numeração decimal como usamos, mas uma numeração com uma base 20. O último dígito se refere aos dias (kin); o penúltimo aos "meses" de 20 dias (uinal), o terceiro dos "anos" de 18 meses de 20 dias ou 360 dias (haab); a segunda duração de 20 vezes 360, ou seja, 7.200 dias (katun) e, finalmente, o primeiro de 20 X 20 X 360 = 144.000 dias (baktun). A passagem a partir da data 12.19.19.17.19 para 13.0.0.0.0 seguinte é digitalmente marcante, tanto quanto a passagem de 999 anos para o ano de 1000 em nosso calendário. Esta transição é natural e não profética. 

Por que este o ponto de inflexão vai cair em 21 de dezembro de 2012? Se o calendário maia estabelece uma duração (144 000 X 13 = 1 872 mil dias, ou cerca, de 5125 anos), é necessário conhecer a origem e saber o que é a data da 13.0.00.0. O astrônomo francês Patrick Rocher, do IMCCE (Instituto de Mecânica Celeste e Cálculo de Efemérides), encontrou mais de 14 hipóteses sobre a origem, fazendo as flutuações do fim do ciclo de vários dias, sendo 21 de dezembro de 2012 apenas um deles. 

Essas suposições são baseadas em interpretações dos poucos documentos maias que mencionam eventos astronômicos, como fases da Lua, e local em sua programação. Algum consenso, no entanto, defende uma origem a 3114 a.C. e, em seguida, um "fim" em 21 de dezembro de 2012. A data de fundação permanece remota surpreendente, porque nem astrônomos nem historiadores podem associá-lo como um marco.

* Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, é autor do livro 'Astronomia e budismo'. - [email protected]