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Cotas ou incompetência governamental?

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O debate sobre a matéria está reaberto. E está reaberto porque o governo fez sua escolha: ao invés de investir no ensino básico de qualidade, foi preferida a fácil fórmula do uso demagógico das cotas universitárias. Sim, é sabido que o Supremo Tribunal já decidiu que as políticas de cotas, dentro de uma pauta de redução de desigualdades sociais, estão autorizadas pela Constituição. Todavia, isso não significa dizer que toda e qualquer ação afirmativa é constitucional, pois a constitucionalidade necessariamente depende do respeito irrestrito das demais regras e princípios jurídicos fundamentais circundantes à opção política legislativa.

Pois bem. Tudo começa com a novel Lei nº 12.771/2012, que determinou a reserva de, no mínimo, 50% das vagas universitárias federais, prevendo um critério de acesso misto entre requisitos de escolaridade pública, renda familiar e raça. Ora, o critério da Lei de Cotas é manifestamente inconstitucional. A análise da lei não nos deixa mentir; o descaminho normativo é claro e objetivo. Inicialmente, merece ser destacado que o artigo 208, V, da CF/88 expressamente assegurou a meritocracia como regra geral de acesso aos níveis mais elevados do ensino, pesquisa e criação artística. Logo, ao impor uma reserva de “no mínimo 50%”, a lei alterou olimpicamente a matriz constitucional, ferindo de morte o critério meritocrático de acesso à universidade pública.

As inconstitucionalidades da nova lei não param por aí; prosseguem e ganham corpo. Sem rebuços, a Lei de Cotas universitárias constitui um atentado direto e frontal à autonomia universitária (artigo 207, CF). Veja-se que o artigo 1º da referida Lei 12.711 é implacável ao afirmar que as universidades “reservarão” as vagas, ou seja, o governo resolveu entrar no gabinete de cada reitor e impor regras de administração que acha conveniente. Ocorre que o artigo 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabeleceu, como forma de evitar o demagógico uso político do ensino superior, que compete às universidades “deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão de estudantes”. Portanto, tal deliberação é da competência das universidades, e não do governo.

Ainda deve ser realçado que o sistema nacional de educação deve ser feito em regime de colaboração, por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas (artigo 214, CF). Logo, o debate sobre cotas deve ser travado em cada comunidade universitária, com suas famílias, seus professores e alunos, contando ainda com o auxílio das autoridades municipais e estaduais. Até mesmo porque a boa política educacional não se faz com medidas autoritárias de cima para baixo, mas com o respeito da pluralidade e independência que norteia o alto espírito universitário.

Dessa forma, por melhores que sejam as intenções, as cotas, tal como estão sendo fixadas, afrontam sistematicamente a Constituição. Insatisfeito, o governo ainda pretende lançar um projeto de lei de cotas no serviço público e com repercussões no setor privado. Agora, se precisa de cotas, é porque o governo é incompetente em suas políticas de inclusão social pela educação. Se educasse bem, todos – independentemente de raça, cor ou classe social – teriam igualdade de oportunidade. E não digam que faltou tempo; o atual governo está há 10 anos no poder. Seria, aliás, uma década de incompetência e descaso com o ensino público brasileiro?

 

* Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado.