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O truque de Draghi 

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Mario Draghi anunciou, finalmente, seu plano para salvar o EURO: compras ilimitadas de títulos de curto prazo dos PIGS no mercado secundário sujeitas a condicionalidade de tomada de empréstimos do FMI/comunidade europeia. Inaugurou uma solução com jeitinho italiano. Não viola os tratados do BCE, que impedem compras de títulos com emissão primaria mas, por outro lado, monetiza deficits fiscais dos PIGS indiretamente ao comprar seus títulos no mercado secundário de curto prazo até três anos. Engenhoso. 

Essas compras podem ser ilimitadas, mas sem targets específicos de taxas de juros ou tetos. O dinheiro usado para comprar esses títulos será esterilizado para não encharcar o sistema europeu, evitando riscos inflacionários. Resumidamente, significa dizer que haverá liquidez ilimitada para os PIGS contanto que eles se submetam aos mandos do FMI e da comissão europeia. Tudo isso dentro dos estatutos do BCE, mantendo a sua independência. Agrada a quase todos. Só os alemães não gostaram muito da ideia.

Quais serão as consequências desse plano Draghi? Assim como ocorreu no final de 2011 e começo de 2012 com a injeção de 1 trilhão de EUROS via empréstimos para bancos europeus, agora os juros dos PIGS vão cair. Alias, já estão caindo. Se tudo der certo, só por antecipação o mercado já voltará a comprar títulos de Itália e Espanha tornando, no limite, a própria intervenção do BCE e o pedido de resgate desnecessários. Claro que esse seria o melhor dos cenários possíveis onde somente o anúncio da compra potencial desencadeia dinâmicas benéficas. Pode ser que mesmo com esse plano o mercado continue não acreditando na possível recuperação desses países. Só o tempo dirá se essa monetização infinita de curto prazo terá sido capaz de salvar a Europa.

A falta de crescimento dos PIGS está ligada a problemas estruturais de competitividade e às questões conjunturais macroeconômicas. Sabemos que as indústrias de Portugal, sul da Espanha, sul da Itália e Grécia são bem menos desenvolvidas do que no norte da Europa. Aliás, por isso mesmo são regiões pobres, com baixa sofisticação tecnológica, empregos de baixo valor agregado e pouco dinamismo. No passado o truque dessas regiões para ganhar competitividade era desvalorizar a moeda. Com o advento do EURO não dá mais. E agora, além da falta de câmbio para ajudar, as taxas de juros nesses países estão disparando, e os governos são obrigados a cortar gastos públicos. Fica praticamente impossível ver a demanda agregada desses países aumentar nessas condições.

O truque de Draghi foi, no fundo, um enorme subterfugio para ganhar tempo e para tentar pelo menos resolver a questão dos juros explosivos nessas regiões. Os cortes de gasto público continuarão castigando o nível de atividade econômica e desemprego nos PIGS. Talvez depois de muito tempo alguma competitividade seja ganha a partir da lenta, muito lenta, queda de preços e salários nesses países, num ajustamento do tipo padrão ouro. Os juros baixos de curto prazo de Draghi vão ajudar, mas daí a dizer que o crescimento voltará nesses países é um grande salto. O BCE sinalizou que se depender dele ninguém sairá do EURO mesmo. A monetização será infinita enquanto os cortes de gastos continuarem. Resta ver se esses países optarão por permanecer no EURO às custas de uma estagnação que durará ainda uns 10 anos ou se vão optar por sair para desvalorizar suas moedas e tentar recuperar o crescimento perdido.

* Paulo Gala é professor de economia da Escola de São Paulo-FGV/SP.