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O mensalão e a Satiagraha 

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É motivo de júbilo para a sociedade brasileira e vitória do Estado o transcurso do atual julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o denominado escândalo do mensalão, ocorrido em 2005, que está transcorrendo com total publicidade e transparência, transmitido ao vivo por veículos da mídia nacional e internacional. Contudo, se o Estado democrático de direito do país e suas instituições públicas tiveram maturidade e altivez para apurar e julgar os crimes do mensalão; por outro lado, se subvertem silentemente ante os ingentes crimes cometidos pelos serviços secretos nacionais contra o Estado brasileiro e a soberania nacional. Isso porque se o mensalão é reconhecidamente a mais grave contingência criminosa produzida pela política brasileira da era republicana; o festival de clandestinidades patrocinadas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação Satiagraha, em 2008, representa um dos mais graves crimes, cometidos por serviços de inteligência contra o Estado constituído, da história contemporânea mundial.

Sobre a real gravidade dos crimes da Abin na Satiagraha, é de todo pertinente indagar-se por que o então presidente Lula não hesitou em exonerar imediatamente o diretor-geral e toda a cúpula da agência; quando no caso do mensalão e em todas as graves crises dos seus dois mandatos, o presidente Lula sequer afastou qualquer um de seus principais assessores. O real motivo dessa atitude inédita de Lula está no fato de que se há controvérsia sobre a sua eventual omissão a respeito do mensalão; quanto aos crimes praticados pela Abin na Satiagraha, é indubitável que o presidente da República foi completamente traído por sua principal agência de inteligência. Assim, como Lula conhece sobejamente a história política nacional, ele sabe que presidentes podem sobreviver a mensalões; mas não à monstruosidade de seus próprios serviços secretos.

Não por acaso, o general Golbery do Couto e Silva, idealizador do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964, eternizou suas célebres palavras de arrependimento ao declarar posteriormente: “Não imaginei que havia criado um monstro”. Todavia, o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) reencarnou no Brasil o fantasma do antigo SNI ao instituir no país a Abin, pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Destarte, a história da Abin se caracteriza por sua escandalosa ineficiência e por uma sucessão de obscuras crises institucionais que conduziram a degenerescente inteligência nacional à UTI, em estado gravíssimo, devido ao desvirtuamento criminoso dos seus serviços secretos.

Portanto, o mensalão e a Satiagraha possuem semelhanças congêneres. Nesse sentido, ambos não foram desvelados pela eficiência institucional do Estado brasileiro mas, sim, por mero acaso do destino; e seus crimes foram perpetrados por poderosas organizações criminosas nacionais, infiltradas visceralmente nos mais elevados e sensíveis escalões governamentais, contra o próprio Estado constitucional. Mas há uma diferença fundamental entre eles. Porque se no mensalão nossos governantes tiveram coragem e força para vencerem os inimigos do Estado brasileiro, na Satiagraha continuam reféns da monstruosidade dos serviços secretos nacionais.

* André Soares é diretor-presidente de Inteligência Operacional e autor do livro 'Operações de inteligência - Aspectos do emprego das operações sigilosas no Estado democrático de direito'.