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O templo, o massacre e o racismo sempre vivo                           

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A religião sikh é monoteísta e tem seis séculos de existência.  Fundada entre o Paquistão e a Índia pelo guru Nanak, é habitualmente vista como uma fusão sincrética entre o hinduísmo e o islã sufista. O termo sikh significa “discípulo forte e tenaz”. Os sikhs, portanto, têm no discipulado, na aprendizagem, seu eixo organizador.  

Sua doutrina básica consiste na crença em um único Deus e nos ensinamentos dos Dez Gurus recolhidos no livro sagrado do guru Granth Sahib, considerado o décimo primeiro e último dos gurus. Os sikhs são numerosos no mundo, totalizando cerca de 23 milhões.  Isso faz de sua religião a quinta maior religião mundial.  Desses, 19 milhões vivem na Índia, mas também existem várias comunidades em outros países, inclusive no Ocidente.  Como, por exemplo, nos Estados Unidos. O templo sikh de Wisconsin existe desde 1997.

Começou com 20 a 25 famílias, que pouco a pouco foram construindo suas instalações em Oak Creek, na região sul da cidade de Milwaukee, graças a doações da comunidade e de outras comunidades do exterior. No último domingo, o ritual pacífico da comunidade sikh que frequentava o templo foi brutalmente interrompido pela irrupção de Wade Michael Page, de 40 anos, ex-militar que levava tatuados no corpo slogans neonazistas, o que o identificava com grupos racistas que defendem a supremacia da raça branca. Page fazia parte de duas bandas musicais que pregavam o ódio racial e defendiam a supremacia da raça branca, o End Apathy (Fim da Apatia ) e o Definite Hate (Ódio Definitivo). 

O álbum intitulado Violent victory (Vitória violenta), gravado por Page e seus companheiros, traz na capa um braço de homem branco dando um soco em um homem negro. Page assumia seu racismo publicamente e sem pudor. Em entrevista de 2010, na internet, ele explica ter formado o grupo End Apathy em 2005 porque percebeu que, se os integrantes encontrassem uma forma de acabar com a apatia das pessoas, eles poderiam “mudar as coisas”. E mudar as coisas, para Page, significava lutar para eliminar tudo que diferisse ou interferisse na absoluta supremacia da raça branca nos Estados Unidos e no mundo.  Segundo notícias da imprensa estadunidense, a banda End Apathy gravou diversas músicas, e todas elas têm em comum letras e slogans que conclamam os brancos do país a despertarem e lutarem pela supremacia de sua raça ameaçada pelos diferentes, pertencentes a outras  raças e culturas que estariam invadindo o espaço que só a eles pertence. 

Em uma das letras, o grupo canta: “Acorde, homem branco, por sua raça e por sua terra”. A camiseta do End Apathy  é ilustrada por 14 números romanos que fazem referência ao slogan da supremacia branca: “Nós devemos garantir a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas”. No último domingo, dia 5 de agosto,  Page invadiu o templo religioso sikh em Oak Creek, abriu fogo contra os fiéis e foi morto no confronto com a polícia. Pessoas morreram, outras ficaram feridas, e o pânico se instalou na comunidade que agora coleta doações para ajudar as vítimas e seus familiares. As razões para tal violência deixam os EUA e o mundo perplexo.  

O que podia ter esse ex-militar que trabalhou com mísseis e foi expulso do Exército por mau comportamento contra a comunidade sikh que se reunia pacificamente em seu templo para orações e atividades comunitárias? Perplexidade essa, que se torna ainda maior ao constatar que o ato de violência perpetrado por Page não é algo isolado.  Há vários anos os sikhs são sistematicamente perseguidos e atacados.  

Pelo fato de utilizarem turbante e barba, são normalmente confundidos com muçulmanos, e isso os torna alvos preferenciais dos ataques racistas que têm acontecido com frequência nos Estados Unidos desde os atentados de 11 de setembro de 2001. A Coalizão Sikh, com sede em Washington, reportou ter havido "milhares" de incidentes criminosos de ódio e discriminação contra os sikhs desde o 11 de Setembro, considerados vinculados ao sentimento anti-islâmico presente no país. Depois do massacre, do lado de fora do templo, crianças sikhs rezam pelas vítimas do atentado.  

No mundo inteiro a humanidade treme diante da força maléfica e letal de um racismo sempre vivo e que parece recrudescer com diferentes faces sem haver aprendido as lições da história. 


Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de 'Simone Weil - A força e a fraqueza do amor' (Ed. Rocco). - [email protected]