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Como escrever um best-seller 

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Para se escrever um best-seller era preciso abordar três temáticas básicas para conquistar o público a partir de um título criativo e instigante: Ame e dê vexameO caçador de pipasCódigo da Vinci, Como se tornar um milionário, Quem roubou o meu queijo? Por este raciocínio, para atingir o topo do ranking de comercialização livresca, o mercado editorial publicava biografias que ditassem as regras a se tornar empreendedor a partir de uma origem humilde, de modo a se transformar em objeto de consumo de uma sociedade ávida de ascensão social e pecuniária. Em suma, uma insinuante jogada de marketing impulsionava a venda do livro, enriquecia o autor, e principalmente o editor, enquanto os leitores permaneciam ainda mais ignorantes (e empobrecidos!) ao investirem tempo e dinheiro em subliteratura de autoajuda. 

Em outra perspectiva, como se inconscientemente houvesse um equilíbrio temático, os mercadores de best-seller considerava que obras literárias, que abordassem as peripécias de feiticeiras, magos, gnomos, fadas e duendes, poderiam seduzir consumidor a esvaziar as prateleiras repletas de esoterismos e espiritualidade. Eis o estrondoso êxito comercial da série Harry Porter, cujo sucesso fez uma escritora adquirir um patrimônio mais significativo do que o da rainha da Inglaterra, Elizabeth II... Em terceiro plano, os industriários da ficção apostaram todas as fichas do jogo nos registros que abrangessem os conflitos étnicos e/ou religiosos do Oriente Médio, desde que retratassem O anão eunuco de Cabul ou A dançarina cega do Cairo. Isto para preencher o espaço da imaginação por intermédio de abordagens ficcionais ou jornalísticas, que restituíssem ao leitor algo que se equivalesse ao patamar de mediocridade imposto pela investida cinematográfica hollywoodiana e pelas telenovelas brasileiras e afins. 

Em tempos pós-modernos, para emplacar um legítimo campeão de vendas desconfio que seja necessário exigir apurada percepção para conciliar os elementos primordiais a uma história que se passasse nas adjacências da Cisjordânia ou do Egito. Destarte, há de ser proveitoso retratar a saga de um sujeito místico nascido em condições precárias de sobrevivência, que será perseguido e traído por um de seus discípulos para se tornar ídolo das multidões ocidentais. Seria exigir pouco esforço de imaginação para se constatar não ser mera coincidência que o tal enredo já foi escrito por um renomado escritor conhecido por Deus, quando se inspirou para compor o maior best-seller de todos os tempos ao registrar a saga de Jesus de Nazaré. 

Desta feita, a publicação poderia impelir o questionamento no tocante à originalidade de um alfarrábio que reproduzisse a idêntica parábola de uma criança parida fora dos padrões convencionais por ser herdeiro do Espírito Santo. A tal imitação não despertaria o interesse das grandes editoras multinacionais, ainda que se recorresse ao conceito de mimese aristotélica ou aos dogmas do palimpsesto ritmados pela pós-modernidade... Todavia, é fato que a reescritura bíblica não serviria para criar polêmica inédita sobre a narração do período de existência do Nazareno, que não consta em registro evangélico, uma vez que José Saramago já explorara o tema em Evangelho segundo Jesus Cristo. Deste modo, sugiro que o suposto autor de best-seller escreva um romance que retrate a peregrinação de um tresloucado cavaleiro pós-medieval acompanhado de um fiel escudeiro em busca de aventuras contra moinhos de vento. Creio que melhor não escrever isto, porque, em 1605, um sujeito genial chamado Miguel de Cervantes já o fizera com engenho e maestria, ao passo que Jorge Luís Borges reescrevera o Cavaleiro da Triste Figura no livro Ficçõesatravés do conto Pierre Menard, o autor de Quixote.  

Há também a opção de ficcionalizar a travessia mística de Santiago de Compostela, conforme Paulo Coelho em Diário de um mago; ou a reprodução de narrativas de suspense assinadas por Agatha Christie. Entretanto, se existisse uma inédita receita para composição de uma obra de ficção ou autoajuda, confesso que não daria a receita ao atento ficcionista que se debruça por sobre a crônica à procura de informações úteis para uma escritura de sucesso comercial. Isto porque este escriba, caso descobrisse a fórmula da prosperidade literária, quiçá guardasse, a sete chaves de ouro, o segredo de escrever um best-seller...

* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são ‘O enigma Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa). - wanderlourenco.