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Honorários maculados e o mistério no custeio da defesa de "colarinhos brancos"

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Os crimes tipicamente praticados pela camada social dotada de poder político-econômico passaram a receber atenção científica apenas no início do século passado após a divulgação dos estudos do sociólogo norte-americano Edwin Sutherland sobre a delinquência do colarinho branco. A partir de então, os chamados crimes de escritório ou de gabinete passaram a ser destacados em relação aos crimes comuns ou das ruas. Começava a se delinear o perfil de uma criminalidade mais sofisticada e moderna que carregava traços marcantes, tais como: a organização, a influência política e o abuso do poder financeiro. Hoje, percebe-se que a criminalidade da violência e da força bruta foi progressivamente sobrepujada pela criminalidade da inteligência e da sutileza, com efeitos muito mais nocivos.

Nos últimos anos, a evolução da delinquência tem preocupado a comunidade internacional e, no Brasil, o constante afloramento de escândalos envolvendo desvios dos cofres públicos – não raro, envolvendo agentes políticos e indivíduos de vultoso patrimônio – deu importância ao tema, sendo reflexos recentes e importantes o aperfeiçoamento do combate à lavagem de dinheiro por meio da Lei 12.683/09/07/2012 e o iminente julgamento da ação penal número 470 pelo Supremo Tribunal Federal, caso popularmente conhecido como mensalão.  

Paralelamente, vem sendo noticiado com frequência que investigados por crimes do colarinho branco têm contratado os maiores escritórios de advocacia do Brasil por valores milionários. Genericamente falando, o que não pode ficar sem registro é a falta de perquirição sobre a origem dos recursos que custeiam a defesa jurídico-processual de organizações criminosas e investigados por crimes do colarinho branco, em especial nos casos envolvendo agentes estatais, desvio de dinheiro público e réus que não possuam fonte de renda lícita. Trata-se de dado importantíssimo, para o qual a imprensa e a própria sociedade ainda não atentaram. Diante das vigentes circunstâncias, deve-se refletir, com seriedade e isenção, sobre o acolhimento no Brasil da chamada teoria dos honorários maculados. Em outras palavras, cabe analisar se o pagamento de honorários com recursos de origem penalmente ilícita ou não comprovada justificaria a responsabilização do advogado e seu cliente por crime de lavagem de dinheiro.

Em que casos a relação financeira advogado-cliente ainda pode ser enxergada como mero negócio entre particulares ou já não está impregnada, até o talo, de inegável interesse público pertinente ao reclamo social de combate à criminalidade organizada? O direito de defesa e de escolha do advogado abrange o de ocultar a origem (lícita ou não) dos recursos pagos como honorários? Em que exatamente a declaração do valor, origem e forma de pagamento dos honorários compromete o exercício da defesa ou da advocacia? Fato é que sob o genérico, impertinente e já esfarrapado manto do sigilo profissional, tais questões têm permanecido sem resposta honesta e razoável, embora o tema tenha ganho contornos cada vez mais preocupantes.

Apesar de sua importância, a teoria dos honorários maculados tem sido estranhamente ignorada no Brasil. Por outro lado, desde 2001, a Corte Constitucional da Alemanha vem declarando a validade da punição do advogado por crime de lavagem de dinheiro quando do recebimento de honorários de origem sabidamente criminosa, o que também já foi corroborado pela Suprema Corte dos EUA e pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia. Com igual vigor, tem sido aceita em terras germânicas a tese de que a forma de pagamento, o total recebido e sua origem devem ser declarados pelo advogado perante o Juízo em juramento sujeito a consequências penais.

Por fim, devo esclarecer que não defendo aqui que a disciplina destes tópicos seja transplantada, de forma simplista e acrítica, do direito estrangeiro para o cenário nacional. Penso apenas que, por tudo a que temos assistido, é urgente trazer o tema à discussão da sociedade, eis que, expurgando-se o corporativismo cego de alguns, já não se mostra aceitável a nebulosidade da relação financeira entre advogados e investigados, em especial nos crimes envolvendo agentes estatais ou grave lesão ao patrimônio público. Enfim, é hora de desvendar o mistério sobre o custeio dos honorários advocatícios em casos de atuação de organizações criminosas e crimes do colarinho branco.

 

*Vlamir Costa Magalhães, juiz federal no Rio de Janeiro, é mestre em direito penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.