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Juros no Brasil: o final de uma era 

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O Copom reduziu a taxa Selic em 0,5% em sua última reunião, como esperava o mercado. A maioria das apostas hoje aponta para mais dois cortes de 0,5%, colocando a taxa Selic em 7% em outubro. Será que entramos numa era de Selic abaixo dos 10% de forma sustentável? Para responder a essa questão devemos nos lembrar que a Selic é uma anomalia dos tempo de inflação alta no país. Não me parece hoje razoável considerar que o Brasil será uma terra de inflação eternamente alta. Nosso processo de estabilização se consolidou, restando um ou outro resquício por aí, mas nada que justifique um juro real acima de 5%. O Brasil já não é um país anormal, não é uma economia fora da curva. Aliás, tem hoje um dos melhores conjuntos de indicadores macroeconômicos do planeta.

A subida da inflação em 2010 e 2011 por aqui esteve fundamentalmente associada ao choque de preços observado na economia mundial logo após a debacle de 2008. Preços de alimentos e metais subiram para níveis próximos de 2008 arrastando o IPCA para cima. Passado o choque, os preços desses bens têm se estabilizado, se não caído. Fica claro então, ex post, que nosso IPCA de 6,5% em 2011 teve como causa também um importante choque exógeno. Para os que acreditam que foi o forte nível de atividade econômica em 2010 que provocou a subida da inflação no Brasil, não é demais lembrar que nosso crescimento em 2009 ficou próximo de 0%, em 2011 foi de 2,7% e 2012 será próximo de 2%. Ou seja, o boom de 2010 foi muito mais uma recuperação em relação à crise de 2008/2009 do que uma nova tendência.

A queda da atividade econômica em 2011 e 2012 tem preocupado muito o BC e fundamenta nosso afrouxamento monetário. O emprego industrial continua mostrando sinais de fraqueza. A produção industrial acumula queda de quase 2% nos últimos 12 meses. O indicador de atividade antecedente do BC, o IBC-BR, continua apontando para um nível de produção anêmico, e o último dado de vendas do varejo também apresentou queda. Esse conjunto de indicadores aponta para um PIB em 2012 de 1,5% ou, na melhor das hipóteses, 2%. Está muito difícil para o Brasil crescer com juro real de 4% num mundo de depressão à la Japão. O crescimento nos EUA continua decepcionando, e na Europa o nível de atividade econômica do primeiro trimestre fechou em queda livre. O desemprego na Espanha está na casa dos 25%, na Grécia 22%, e não tardará para Portugal e Itália chegarem lá. Na melhor das hipóteses, o PIB europeu deste ano será 0% ou 1%. Ou seja, a pressão deflacionária e recessiva do resto do mundo está muito forte.

Passada a fase mais aguda da crise, o nosso BC terá de voltar a subir a Selic acima de 10% para controlar a inflação? Acho que não. O novo pacote de medidas macroprudenciais adotado no final de 2010 se mostrou bastante efetivo para controlar o crédito diretamente e a demanda agregada. Uma política fiscal mais austera também pode contribuir para desaquecer a demanda, se for o caso. Muitos trabalhos por aqui mostram que nosso nível de atividade é bem mais sensível ao gasto público do que ao nível da Selic. Mais recentemente, o Ministério da Fazenda também passou a contribuir para o controle da inflação reduzindo impostos de produtos que pesam no IPCA. O resultado de junho que apontou um IPCA próximo de zero se deveu muito à queda do preço de veículos por conta da redução do IPI. Medidas parecidas foram adotadas em dezembro do ano passado, e elas acabaram contribuindo para deixar o IPCA dentro da faixa de 6.5% acumulado em 12 meses. O governo pode, sim, voltar a usar esse tipo de medida no combate à inflação.

O mercado financeiro também dá sinais de que acredita na queda sustentada da taxa de juros por aqui. Nesta semana as taxas nominais dos títulos mais longos de nossa curva futura de juros, as NTNF2023, caíram abaixo dos 10%, mostrando que investidores estão dispostos a colocar dinheiro nesse cenário de juros permanentemente abaixo de 10%. Talvez essa segunda rodada de crise de 2008, que agora aparece com força na Europa, sirva mesmo para quebrar a convenção de que o Brasil necessita de um juro maior do que 10% nominal (antes era real) para controlar a inflação. Talvez essa rodada da crise nos mostre que o Brasil é apenas mais um país emergente como outro qualquer, com seus problemas corriqueiros de política econômica. Talvez a crise mostre definitivamente que somos um país normal, e não uma jabuticaba como muitos gostariam de acreditar.

Paulo Gala é professor da  Escola de Economia de São Paulo (FGV/SP).