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A agonia da previdência pública

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O fantasma da reforma da previdência, para infelicidade dos futuros servidores civis da União, tornou-se uma realidade. Acaba de ser aprovado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.992/2007, de iniciativa do governo Dilma, que institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais, isto é, estabelece nova regra de aposentadoria para eles, fixando um limite máximo para a sua concessão, além de autorizar a criação de três Fundações de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp), uma para cada poder da República. É a segunda punhalada petista, nesses servidores, visto que a primeira já fora desferida por Lula, quando mexeu no tempo de serviço e na integralidade dos vencimentos dos servidores, durante o seu primeiro governo.

Não surpreende ninguém que o atual governo siga os rastros do seu antecessor e, no lugar de reformas estruturais importantes, capazes de corrigir a restrição de recursos ao sistema de proteção social, previsto no artigo 194 da Constituição federal, opte por desvios reformistas, de modo a atender aos ditames do FMI e outras organizações financeiras internacionais.

Vivemos a escalada de destruição das ações, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, inviabilizando, de vez, a seguridade social consagrada na Constituição de 88. Nesse processo, o governo Dilma não se limita aos cortes orçamentários, também falseia receitas, numa tática eficiente para dar outras finalidades aos recursos destinados à área social, prejudicando milhões de usuários do sistema de proteção e desonerando o Tesouro Nacional. Daí, ser questionável o chamado déficit da previdência, chantagem do governo para reduzir ainda mais os benefícios.

A análise da atual investida contra o funcionalismo público revela que o Estado brasileiro, doravante, terá que transferir, para os fundos de previdência, de cuja constituição participam agentes financeiros, recursos substanciais que poderiam ser usados na saúde e educação. Podemos depreender, então, que essa reforma cria um mercado gigantesco para os banqueiros explorarem e cai, como uma luva, para os que se especializaram na gestão de fundos de empresas estatais.

Esse desvio de recursos da área social é intencional e não passa de negócio, conforme a lógica do regime capitalista. É do interesse da classe dominante o estabelecimento de uma previdência complementar para o servidor público federal, na verdade, uma dádiva para os bancos. Nessa linha, não resta dúvida de que Dilma está ressuscitando o FHC do final da década de 90, contexto no qual as relações entre Estado e sociedade civil se alteraram profundamente. Naquela oportunidade, houve uma reinterpretação do papel do Estado, com o esvaziamento do seu conteúdo social, dentro de uma perspectiva neoliberal. Foi com essa visão de Estado mínimo que o PT se comprometeu para ganhar a primeira eleição de Lula, e Dilma Rousseff empurrou, pela goela abaixo do funcionalismo, essa reforma infame, nas palavras de um senador da República, “Uma reedição quase sem mudanças do projeto encaminhado pelo governo FHC ao Congresso Nacional em 1999...”.

Nesse desmonte do Estado protetor, há que se considerar uma forte influência externa. Em outras palavras, os reflexos de uma conjuntura político-econômica globalizada, em crise, se fizeram sentir, entre nós, sob a forma de dificuldades econômicas de cunho estrutural, o que gerou, ao mesmo tempo, uma diminuição de recursos disponíveis e um aumento das necessidades da seguridade social — saúde, previdência e assistência social — dois fatores de uma equação, hoje, regulada pelas agências multilaterais que só concedem crédito sob certas condições, entre as quais, o esvaziamento do papel do Estado e a não oferta de benefícios à coletividade. Desgraçadamente, essas imposições vêm pautando a nossa política econômica, de FHC a Dilma, embora a nossa Constituição ainda garanta os direitos relativos à seguridade social.

Aceitando essas exigências, ao arrepio da garantia constitucional, a presidente Dilma emplacou uma restrição importante à proteção social, a reforma da previdência pública, trilhando o caminho de uma análise técnica superficial e suspeita, onde se valorizava apenas custo e eficiência, no lugar de uma discussão política abrangente, cuja preocupação central seria o valor das aposentadorias e pensões. Com a aprovação pelo Congresso da nova previdência, infelizmente, o governo recebeu carta branca para financiar instituições bancárias, através da transferência de recursos públicos aos fundos de previdência. É a privatização da previdência, em marcha, é a agonia da previdência pública.

Thelman Madeira de Souza é médico