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A Coreia do Norte para além da ditadura 

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O novo paradoxo acelerado da modernidade, no ano de 2011, não foi apenas o da “praça dos indignados”, este movimento de protesto, ao rapto mediato da opinião pública, expresso nos ajuntamentos de Madri, da Catalunha, ou na repetição com que se renova nos EUA o “Occupy Wall Street”.

Lavraria um novo dissenso a apontar do início a uma confrontação radical suscetível, no mundo americano e europeu, de debater, de vez, na sua medula, o modelo econômico dos nossos dias.

Nas últimas semanas não avançou mais no protesto, mesmo em alguns casos, se dispersou, e a atenção da imprensa vai mais às prisões do que ao conteúdo dos debates, centrados nessa busca, de vez, da diferença como exercício da liberdade e da cidadania ocidentais. É o que se depara, frente aos próprios fundamentalismos republicanos; ou à perda do laicismo nas novas constituições, nascentes da Primavera Árabe. Candidaturas como as de Mitt Romney, ou Perry, mórmons, para a próxima refrega presidencial pressagiam um racha americano, deixando do lado democrático a defesa do país das liberdades. Mas é destes últimos dias do ano que brotam os espantos dessa outra inquietude, nos antípodas da luta pelo humanismo ou pela diferença coletiva no século 21. Mal deparamos, com a morte do ditador da Coreia do Norte, a aparição deste movimento de identificação monstruosa do país à figura do líder, num processo de assimilação da imagem, de par com a imediata divinização do personagem, através dos sinais da natureza e dos cataclismas ocorrentes com o seu trespasse. As estatísticas evidenciam a frequentação do seu retrato, ao ritmo de 29 pessoas por segundo, num presente que se quer eterno. E continua uma liturgia que, nas primeiras 48 horas após a morte de Kim Jong-il, absorveu 25% da população coreana. O pranto generalizado, senão o transe, chega a uma sideração inaudita, nesta destruição de todo referencial particular. E o legado pior da mais longa ditadura da modernidade é o destacar-se esta negação radical da individualidade coletiva, onde o outro desaparece, por inteiro.

Laboratório do horror do futuro, a Coreia de Kim Jong-il e Kim Jong-un avança como uma milícia fantasma, sem, sequer, conhecer da sua solidão, e inerte a qualquer alternativa.

* Candido Mendes, membro do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, é membro também da Academia Brasileira de Letras e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.