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Ocaso brilhante

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O deslumbramento do brasileiro diante de novíssimas tecnologias digitais — em especial nos celulares e computadores — equivale, mutatis mutandis, à postura do antigo indígena para com os espelhinhos à beira do seu colapso cultural. Este tipo de reação, exagerada a respeito do “novo que brilha”, pode transitar por perigosas facetas da vaidade, transparecendo cotidianamente sob a forma de um estetismo comportamental malfadado porque mergulhado numa inconsciência valorativa.

A significativa quantidade de comerciais televisivos veiculados diariamente sobre tais tecnologias simplesmente indica uma preferência da população. Realmente, há muita passeata contra as reincidentes corrupções no âmbito político brasileiro, mas nenhuma, creio, criticando aquele absurdo bombardeio imagético propagado através das telinhas. Mas seria este parâmetro midiático isento de paixões a ponto de aceitar um protesto do gênero? Espero que sim, pois já existe um espaço cativo do aspecto midiático na vida das pessoas, embora seja mais uma possibilidade entre tantas outras, e, de qualquer maneira, captar sem afetações alguma espécie de reação opositiva também pode ser frutífero para o amadurecimento geral.

Não há problema nenhum no fato de ser o progresso digital, hoje, algo significativo para os interesses humanos. O ruído acontece quando torna-se algo absoluto. Eis o destroçamento do equilíbrio em prol de um anseio tecnológico estético altamente especulativo — afinal, amanhã sempre virá um produto mais revolucionário! — que no topo da influência psicológica sobre a conduta humana transforma-se em detonador de desdobramentos esteticamente messiânicos e sedutores aos quais corre o risco d’alma ficar escravizada. Inescapável circunstância onde o espírito de Narciso acorrenta a perspicácia discriminatória do homem à prisão existencial na superfície da vida.

Aferrar-se essencialmente ao adorno — mesmo que embalsamado com purpurinas e serpentinas saltitantes e sempre prontas para festinhas... — não sustenta o resgate ontológico de uma pessoa. E o tombo pode ser pior se tal proposição for justificada pelo poder temporal, afinal, neste espaço a defesa da posição estabelecida não admite limites quando inexistente o freio moralizador da compostura e da retidão. 

Vale lembrar que o erro humano não brota de uma determinada cor, etnia, ou classe, sendo a atuação do mal terrivelmente mais eficaz no meio onde a força do Alto perde importância vital, dando o ser humano espaço para patéticos deslumbramentos terrenos. O grande perigo da carência do ato heroico numa comunidade é a possibilidade de um crasso movimento da esperança popular impulsioná-la para o abismo. Não é à toa que o simbolismo mítico aceito por uma mentalidade guia o seu anseio fundamental.

A beleza transcendental irradiada por uma obra de arte sacraliza a horizontalidade com perfumes magníficos. Entretanto, a opção pela vaidade devoradora e coroada pela conquista do extra-ordinário do momento sintetizado em rápidos flashes da real lifevideoclipados enaltece não a vida, mas o produto como grande catalisador de felicidades pontuais. Desfocada devoção derivada de desvarios estéticos.  

Roberto Muñoz é escritor