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Teologia e eutanásia

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Num mundo e numa época de materialismo militante, pode parecer estranho que alguém se lembre do Dia do Teólogo há pouco transcorrido (30 de novembro). Mas justamente, porque assistimos, hoje, não apenas a uma opção materialista, que deve ser respeitada porque é uma questão de consciência, mas também a uma pregação materialista, parece-me oportuno defender o teísmo, como escolha inteligente, em oposição à ideia de que a fé é o caminho dos incultos.        

Quando penso em teólogos, o primeiro nome que me vem à mente é o de frei Leonardo Boff, que comparece com seus artigos em vários jornais do país, inclusive no JB, e que há dias palestrou em Vitória.        

Falar sobre eutanásia é tema  apropriado num país e num mundo onde milhões não têm nem mesmo o direito de viver dignamente? Creio que sim, desde que a reflexão se faça numa linha de Teologia Libertadora, esta linha que tem em Boff um dos seus maiores expoentes. Opor-se à eutanásia é valorizar a vida, e vida para todos, não vida apenas para alguns. Justamente porque a vida é um bem precioso, obra divina, nós, humanos, temos que lutar por estruturas sociais que garantam o direito de viver com dignidade. Temos que apoiar as políticas de melhor distribuição da riqueza. Temos de ser pacifistas e recusar a guerra, que é simbolo de morte. Tudo isto nos é ensinado pela Teologia da Libertação, uma teologia encarnada no mundo dos homens.        

Quando um jurista decide aventurar-se na abordagem de matéria teológica, é inevitável o encontro Teologia – Direito.Sob a ótica do direito, não se pode impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não esteja isenta de perigos ou é demasiado onerosa. A recusa de tais técnicas não equivale a um suicídio. Significa, antes, aceitação da condição humana ou preocupação de evitar dispositivos médicos desproporcionados com os resultados que deles se podem esperar.        

O direito brasileiro não acolhe a eutanásia, prática que é admitida por algumas legislações do mundo. Nunca é permitido ao médico ou a outro profissional da saúde praticar um ato que produza a morte de um paciente, mesmo que o paciente peça sua morte. Nestes casos, quando o médico ou enfermeiro atende ao apelo desesperado, o ato é considerado “homicídio privilegiado” (aquele praticado por motivo de relevante valor moral, com pena reduzida de um sexto a um terço).        

Diversa é a situação, quando o doente já teve morte cerebral. Aí, nem a lei nem a ética médica exigem procedimentos para prolongar artificialmente a vida.  Na primeira hipótese, pede-se um ato para pôr fim à vida (é crime).  Na segunda, trata-se da abstenção de atos que prolongam a vida artificial (não é crime).        

Em face de um doente terminal, com morte cerebral, o médico, com o consentimento da família, pode desligar os aparelhos. Estará agindo em respeito à dignidade humana, evitando que o paciente, em estado de morte encefálica, seja submetido a terapêutica que não oferece esperança de êxito. 

João Baptista Herkenhoff, professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor, publicou recentemente 'Filosofia do direito' (GZ Editora, Rio). - [email protected]