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A Europa à deriva

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                A União Europeia está completamente desorientada e, com os mercados em crise de confiança, a descer e a subir, não tem qualquer estratégia para o futuro. Os que aparentemente mandam — a chanceler Merkel e o senhor Sarkozy — levaram uma colossal bofetada simbólica do primeiro-ministro Papandreou, quando este se propôs consultar o povo grego. Ficaram completamente desorientados, como aliás os mercados, os políticos europeus e os próprios protagonistas mundiais do G20, que se reuniram dois dias depois.

                   Como foi isso possível? Porque uma simples ideia política, lançada oportunamente por um político, em desespero de causa, descontrolou os mercados e consequentemente os políticos que a eles obedecem. Donde se conclui que, para vencer a crise, o principal, na União Europeia, é controlar os mercados, impondo-lhes regras éticas estritas, de modo a obedecerem aos Estados ditos soberanos e não ao contrário, como tem vindo a suceder nos últimos anos, para nossa desgraça.

                   Ora, é isso que os políticos — e os dirigentes europeus — quase todos conservadores e muito ligados à alta finança, teimam em não querer perceber. Mas a crise europeia e global, pela força das circunstâncias, vai fazê-los entender, porque o neoliberalismo, como ideologia, falhou em absoluto, como há duas décadas entrou em colapso a ideologia comunista e o seu universo. A Europa do euro sem um governo financeiro e econômico e depois político e um Banco Central capaz de fabricar euros, como os americanos, dólares, não vencerá a crise. 

                  Tem-se tornado, assim, absolutamente evidente que a União Europeia, se não definir uma estratégia para manter os mercados, sob regras estritas — acabando com os paraísos fiscais, as empresas de rating e a chamada economia virtual — entrará rapidamente em decadência. O fracasso total e humilhante da última reunião do G20, em Cannes, que Sarkozy pensava ser, para ele próprio, um grande sucesso político, foi, pelo contrário, a demonstração disso mesmo. Ora, enquanto os Estados aceitarem estar dependentes dos mercados e da especulação, tudo correrá mal, como se viu. Por isso, é urgente que se mude de paradigma e que se substituam as próprias instituições europeias, no sentido federal de modo a terem força própria.

                   Não creio que a Grécia vá sucumbir, apesar da crise financeira, econômica, e agora política, em que está mergulhada. É um povo sábio, com uma história única, inventor da Democracia, que merece a solidariedade europeia, dado que os bancos especulativos alemães e europeus são tão ou mais responsáveis que o povo grego, pelo desastre financeiro em que se encontra.

                   Mas agora a União Europeia tem outra bomba de grande potência prestes a explodir: a Itália, terceira economia da zona euro e oitava mundial. É um caso muito mais sério! 

                   Senhores responsáveis políticos europeus, atenção, se a União não muda o modelo de desenvolvimento, acabando com a tirania dos mercados, estes vão continuar com as suas especulações e, atrás da Itália, virão a Espanha, a Bélgica, a Eslováquia e, seguramente, a França... Nem com esta ameaça — e o desprezo dos responsáveis do G20 — abrem os olhos? 

                   Portugal está a viver momentos difíceis. A chanceler Merkel disse que os países vítimas dos mercados vão — cito — "levar dez anos para se recompor". Vê-se que não pensa no sofrimento alheio, nem isso lhe interessa. Os povos, tarde ou cedo, quando oprimidos, revoltam-se, e acontece que frequentemente fazem milagres. É o que a história nos ensina, como foi o caso com a Alemanha de Leste e a sua unidade com o Ocidente. Se o momento chegar, como espero, as troicas, necessariamente, tornar-se-ão muito mais flexíveis... Se não, com a economia paralisada e o desemprego a subir, para que serviriam os sacrifícios que nos impõem?

Mário Soares é ex-presidente de Portugal