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Ciência médica brasileira: as cem mil teses da USP e o Dia do Médico

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A Universidade de São Paulo comemora cem mil teses defendidas em 80 anos de existência: mais de 1.200 teses por ano, a maioria dos últimos 50 anos, fruto da explosão da pós-graduação. Este é com certeza um dos fatores que fazem da USP a primeira das universidades latino-americanas em dois rankings independentes: Quacquarelli-Symonds (QS) e Webometrics. Os analistas da QS entendem que o investimento brasileiro em educação superior é elemento essencial do rápido crescimento de nossa economia. Como ex-professor, responsável por parcela deste feito, como doutorando e orientador não posso deixar de parabenizar nossa querida USP.

Minha vida de produtor de ciência e orientador já terminou, mas como editor da revista científica da Faculdade de Medicina USP, tenho uma visão mais ampla da ciência médica brasileira. Minha filha caçula Clinics nasceu em 2005, e nesses curtos seis anos tornou-se a mais citada revista médica multidisciplinar da América Latina, Caribe e Península Ibérica. Muito disso se deve à produção científica da Universidade de São Paulo, fortemente representada em nossas páginas pelas duas escolas médicas, além da Odontologia, Farmácia, Higiene e Saúde Pública. Dezenas de teses, tanto da USP como de outros centros universitários brasileiros encontraram sua via final de publicação na Clinics.

Mas é hora de comemorar outro dia auspicioso: 18 de outubro é o dia do médico. A Universidade de São Paulo também ocupa o primeiro lugar em ciência médica latino-americana. E a Faculdade de Medicina de São Paulo é a mais produtiva do continente. Aqui nasceram algumas das mais importantes contribuições científicas brasileiras, dentre as quais a cirurgia para defeito congênito do coração e o procedimento ventilatório calibrado. Docentes desta casa colaboraram com a descoberta da bradicinina, e docentes de Ribeirão Preto pavimentaram os caminhos para o tratamento da hipertensão arterial.

Infelizmente, a ciência brasileira é tema para bobagem. Em artigo intitulado Língua portuguesa esconde produção científica nacional, Simone Righetti atirou com propriedade no que viu (publicar ciência em português é péssima ideia), mas assassinou o que não entendeu. Diz ela: “O Brasil é o 13º país na lista dos que mais publicam artigos científicos. Mas, quando o assunto é quantas vezes cada texto é citado por outros pesquisadores, o país vai mal”. Se comparamos as citações a artigos brasileiros com as de americanos, ingleses, alemães (que há 200 anos “puxam” a ciência mundial), ficamos para trás, mas o Brasil não “vai mal” por isso. Ao contrário, se olharmos para 1990 dá para ver quanto subimos. E, entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), temos a menor produção, mas o maior índice de citações! Maior que a da China. Isso, de fato, é ir muito bem! Está na hora de os críticos indiscriminados entenderem que embora criticar venda mais, nem sempre está em consonância com os melhores interesses nacionais.

Ainda não somos potência científica! Nem nós, nem os outros Brics. Mas estamos no bom caminho. A ciência médica brasileira continua a ser um grande contribuinte. Em mais vinte anos, se nossa universidade continuar a se expandir no ritmo atual, chegará mais perto.

Para terminar, uma palavra sobre periódicos científicos brasileiros. Até o ano 2000 eles eram praticamente invisíveis. Graças à política de acesso aberto gratuito patrocinado pela Fapesp e Scielo, estamos crescendo vertiginosamente. Nossas revistas capitaneadas pela centenária Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e com sete periódicos médicos, entre os dez títulos brasileiros mais citados, atingiram níveis de referência (geralmente internacionais), com os quais mal poderíamos sonhar antes do Scielo. Periódicos internacionais são imperativos de autonomia científica para países tipo Brics.

Maurício Rocha e Silva, médico, é ex-professor titular da Faculdade de Medicina da USP e editor da revista 'Clinics' do Hospital das Clínicas