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Quem legisla(rá)?

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Existem boas razões para críticas indignadas à política brasileira, mas existem outras, melhores, para que ela continue a dar rumos à nossa sociedade.  A quem prega a supressão da política cabe primeiro responder o que a substituirá. Entendida como a condição necessária à tomada de decisão em uma sociedade democraticamente ordenada, é pacífico que o seu enfraquecimento compromete o Estado de direito, fora do qual deixamos de existir nos nossos direitos e deveres.  Sem política como serão decididas as muitas questões que dizem respeito ao nosso dia a dia?

Não há substituto para a atividade parlamentar – portanto, politica – na sociedade contemporânea. Se a política existe há muito tempo, ela só se democratizou com o Parlamento. Nesta nossa modernidade, tecnocratas, servidores de estado, empresários, lobistas, marqueteiros, ongueiros e jornalistas não substituem os políticos eleitos como representantes da soberania do povo, mas parece que no Brasil isso está escapando ao próprio Poder Legislativo à medida que ele se avilta e se submete, em nome de todos nós. 

A maior revolução política da História, a Revolução Francesa, ao consumar a separação dos poderes, subtraiu “definitivamente o Poder Legislativo do monarca” (GAUCHET), o desiderato de toda evolução política do Ocidente. Ao longo desse processo houve ocasiões em que o Parlamento não esteve à altura de suas responsabilidades, mas elas acabaram passando à História como exemplos definitivos do que acontece quando ele é suprimido ou manietado, como se viu na Inglaterra de Cromwell e na França do Terror. Independentemente de quão sutis ou sofisticadas sejam as formas modernas de anulação do Parlamento, o resultado é o mesmo: quando ele se cala perde-se a liberdade.

Em meio à tempestade que vai se armando no cenário brasileiro, conviria reconhecer o mal que o sistema de coalizão que sustenta os governos nesta república está causando, cuja origem está no desregrado financiamento dos partidos políticos à custa de recursos públicos. A resultante perversa desse processo é a corrupção endêmica que degrada de maneira irreversível a atividade política nos três níveis da administração do país, e transborda de maneira visível às muitas expressões da vida social brasileira.

Ao admitirem tacitamente se colocar como reféns do poder – adotando práticas que podem ser discricionariamente desmascaradas ao sabor das conveniências do momento – os partidos políticos fracassam antecipadamente como unidades de luta pelo poder. Essa é a contradição intrínseca ao funcionamento dos partidos políticos no Brasil: lutam para participar do poder de uma maneira que lhes nega a fruição legítima do poder.

A equação é complexa, mas merece ser enfrentada. Até porque o resultado é conhecido. Para começar, é preciso que os partidos ao se lançarem na disputa pelo poder entendam-no de forma completa, aí muito bem incluída a lei. Se não for por uma variável moral ou ética – da qual desdenham cínicos pretensos inteligentes – que seja por lógica. 

*Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador e membro do CPE da UFJF