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O século de Alzheimer

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        Foi em uma manhã de novembro, na Alemanha de 1906, que o mundo foi inicialmente apresentado a uma das questões mais importantes da saúde pública no século 20. O neuropatologista alemão Alois Alzheimer demonstrou um relato científico sobre uma enfermidade psíquica, até então desconhecida, envolvendo oscilações nos estados de ânimo e considerável perda de memória.

        O próprio Alzheimer havia diagnosticado, cinco anos antes, esse quadro mórbido em uma mulher de 51 anos, cujo declínio das funções mentais foi evidente até os últimos dias de sua vida. Tal descrição foi o prefácio de uma longa discussão que se sucede até os dias atuais, nos diversos cantos do mundo, cujo fundamento é esclarecer e compreender os efeitos dessa devastadora doença cerebral.

        Tudo isso porque a demência do tipo Alzheimer (não devemos utilizar a estigmatizada denominação mal de Alzheimer) é a mais frequente demência primária do sistema nervoso, com alto impacto sobre as atividades da massa cinzenta cerebral dita como cognição: memória, julgamento, raciocínio, inteligência, tomada de decisões, dentre outras. Seu poder de destruição atinge rápida e fatalmente a mais nobre estrutura do cérebro: o neurônio, mola propulsora de todas as funções cerebrais e que no seu arranjo funcional nos coloca como seres racionais e dominantes no meio em que vivemos.

        Mesmo cem anos após sua descrição inicial, a doença de Alzheimer continua um enigma para a medicina moderna. Atravessamos o último século buscando melhor compreender o intrincado mecanismo de desenvolvimento dessa enfermidade a fim de gerar um tratamento correto e eficaz. Não existe uma “bala mágica” que interpele a gênese do quadro e impeça sua progressão. Mas muito se fez, e hoje dispomos de técnicas modernas que nos permitem diagnosticar corretamente essa síndrome e tratá-la com maior eficácia.

        A evolução é progressiva e inexorável, mas existem medidas alternativas e tratamento medicamentoso, que visam prolongar a sobrevida neuronal e gerar, sobretudo, qualidade de vida para o paciente e para aqueles que estão inseridos em seu contexto social. Nesse aspecto, o papel dos cuidadores, verdadeiras referências para esses pacientes, é fundamental e merece total atenção em nossas discussões e planejamentos.

        O envelhecimento de forma saudável deve ser nosso objetivo e dos órgãos públicos de saúde. A existência de uma doença cerebral progressiva não exime de responsabilidades as equipes de saúde e o Estado de atuar eficazmente contra essa questão. A população brasileira envelhece a cada dia, e são cada vez mais prementes políticas de saúde pública que priorizem a saúde do idoso e favoreçam o envelhecimento saudável de nossa população.

        No dia 21 de setembro lembramos o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, importante data para conscientização, esclarecimentos e discussão a respeito dessa real situação que enfrentamos. Como lembra a ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer): “Não há tempo a perder”. É preciso conhecer, aprender e divulgar a doença de Alzheimer. Conhecer para detectar precocemente os sintomas e favorecer um tratamento adequado. Aprender é preciso para evitar dúvidas e falsas interpretações sobre a evolução da doença, sobretudo por parte dos membros cuidadores e da família; e divulgar a fim de se tornar pública e notória a importância dessa condição em nossa sociedade.

        Envelhecer é um processo natural e fisiológico que será experienciado pela maior parte das pessoas. Envelhecer com dignidade, atenção, carinho e respeito é direito de todos; e zelar por essa responsabilidade é um dever de quem atua nas atividades de promoção à saúde e daqueles que fiscalizam e gerenciam as políticas públicas em nosso país. Portanto, o compromisso com a doença de Alzheimer, atualmente, é de todos nós.

Vanderson Carvalho Neri é médico endocrinologista