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Criação de estados — questão nacional 

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        A criação de novos estados no Brasil, mediante desmembramento dos que existem agora, é uma questão de extrema relevância social e política para todo o povo brasileiro, pelas consequências que uma decisão dessa natureza acarreta, inclusive por um elevadíssimo ônus financeiro, que deverá ser suportado por todos os brasileiros. Assim, é inaceitável que sobre uma decisão dessa natureza sejam ouvidos apenas aqueles que residem na área que se pretende desmembrar ou, quando muito, no estado que vai sofrer o desmembramento, como se as consequências fossem limitadas a essas regiões.

         Para que se altere a organização político-administrativa brasileira, criando-se novos municípios e novos estados, a Constituição exige que seja consultada previamente, mediante plebiscito, a população diretamente interessada. Essa regra foi colocada na Constituição para impedir uma prática muitas vezes usada antes no Brasil, que era a criação de novos municípios ouvindo-se apenas a população do distrito que se queria converter em município. Isso explica, em grande parte, a existência de grande número de municípios sem renda própria, incapazes de prestar os serviços fundamentais a que estão constitucionalmente obrigados. Foi justamente para impedir a criação de municípios e estados tecnicamente inviáveis, utilizados como subterfúgios por oligarquias corruptas, desejosas de reforçar seu poder de barganha política ou de abocanhar dinheiro público, que se exigiu a concordância prévia de todos os interessados.

            Várias pretensões de criação de novos estados já se tornaram públicas, mas neste momento duas delas estão sendo objeto de preparação de consultas à população mediante plebiscito, ambas no estado do Pará. Este seria desmembrado, perdendo suas partes mais ricas, criando-se os estados de Carajá e de Tocantins. Um aspecto absurdo, que deixa evidente a falta de seriedade das propostas, é que não foi feito qualquer estudo demonstrando as consequências práticas do desmembramento, a viabilidade social e econômica dos novos estados e os reflexos sobre o remanescente do Pará, que será muito empobrecido. Apesar dessa grave omissão, as propostas foram aprovadas no Congresso Nacional e, como legalmente previsto, o Tribunal Superior Eleitoral, em sessão administrativa, expediu instruções para a realização de dois plebiscitos, no mês de  dezembro, quando a população dirá se autoriza a criação dos novos estados.

            Um ponto de fundamental importância, que ficou omisso nas instruções do tribunal, é a amplitude nacional dos plebiscitos, havendo apenas referência genérica à “população diretamente interessada”, que, obviamente, é toda a população brasileira. Com efeito, basta considerar que a criação dos novos estados acarretará encargos financeiros altíssimos, muitos milhões de reais, que sairão dos cofres federais e, portanto, deverão ser suportados por toda a população brasileira. Com a criação dos dois novos estados, cada um deles elegerá três senadores e pelo menos oito deputados federais, que é o mínimo por estado. Considerando-se o custo de cada parlamentar, incluindo subsídios, assessores, os gabinetes com seu equipamento e suas altas despesas de manutenção, mais as despesas de viagem e outras que normalmente ocorrem, fica mais do que evidente que toda a população brasileira tem interesse direto na decisão.

            Acrescente-se a isso o custo da instalação dos estados, com o governador, as scretarias, a Assembléia Legislativa, o Judiciário e todo o aparato administrativo. Para tanto, os estados recém-criados irão usar recursos federais, ou seja, dinheiro de toda a população brasileira. Acrescente-se, ainda, que a Constituição estabelece a existência de um fundo dos estados, formado com recursos provindos de tributos federais e distribuído a todos os estados. E cada novo estado receberá uma quota, em prejuízo de todos os demais estados brasileiros. Isso, ressalte-se uma vez mais, sem a demonstração dos efeitos práticos da criação dos novos estados, não se tendo dito uma palavra sobre quais benefícios resultarão para as respectivas populações. A única consequência certa é que haverá benefícios para quem tiver o comando político dos novos estados.

            Em vista disso tudo, é absolutamente necessário que o Tribunal Superior Eleitoral elimine qualquer dúvida e, complementando as instruções já expedidas, deixe expresso que nos plebiscitos de dezembro deverá ser consultada a totalidade da população diretamente interessada, que é a população de todos os estados e do Distrito Federal. Essa é, no caso da criação de estados, a única interpretação razoável e correta do dispositivo constitucional que manda ouvir a população diretamente interessada. Com essa orientação será assegurada a prioridade do interesse público, de todo o povo brasileiro.

Dalmo de Abreu Dallari é jurista