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A verdadeira educação

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O país inteiro se solidarizou com o movimento dos bombeiros do Rio de Janeiro. O vermelho invadiu as ruas com as fitinhas vermelhas presas nos carros, ônibus e caminhões, e panos vermelhos foram expostos nas janelas dos apartamentos das zonas Norte a Sul da cidade. Prova de que a população manifestou o seu descontentamento diante do tratamento dado aos nossos heróis do fogo, da água, do barro e de qualquer tipo de catástrofe produzida pela natureza, pela mão do homem ou por negligência do poder público. Entretanto, é de causar, no mínimo, espanto que nem um único fio ou mesmo retalho de tom pastel tenha sido gasto para demonstrar a mesma solidariedade aos professores da rede estadual, que estão em greve desde 7 de junho. Não estou comparando os dois fatos, mas ambos ocorreram pela necessidade de melhorias salariais dessas categorias, e isso é um direito certo. Insisto na descoloração, pois me parece que em contraste ao rubro, cor vibrante, que já fez parte de diversos movimentos na história nacional e mundial, o descoramento da greve dos professores representa o desbotamento da educação no estado.

Não há como fechar os olhos para as salas de aula lotadas, os baixos salários e os diversos planos de educação implantados por governos que afirmam estar revolucionando o sistema de ensino. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2009, divulgados pelo IBGE, afirmam que um em cada cinco brasileiros é analfabeto funcional. Em geral, ele lê e escreve frases simples, mas não consegue, por exemplo, interpretar textos. Logo, ele não sabe sobre o que estamos falando agora; é como uma das personagens do livro Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.  

A bela abertura da crônica Lágrimas por Mário Chamie, do professor Deonísio da Silva, publicado no JB (6/07), ao apontar a metáfora bíblica que faz parte do Livro da Sabedoria, “breve e triste é a nossa vida, nascemos do acaso e logo passaremos como quem não existiu, com o tempo, o nosso nome cairá no esquecimento e ninguém se lembrará de nossas obras”, remete-me ao trabalho de uma querida professora. Por mais de 37 anos, Railda Leite de Souza dedicou sua vida à prática docente, à formação e instrução de seus alunos como regente de turma e, nos últimos 27, à direção de uma escola pública no Ponto Chic, que não faz jus ao nome, uma vez que o “chic” neste caso é pura ironia para o bairro do município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Nunca fez greve, apesar do baixo salário, e transformou a escola que dirigiu em referência de qualidade e acesso a toda a comunidade que a circunda. A educadora fez melhorias consideráveis na estrutura do prédio para contribuir na aprendizagem dos alunos e oferecer mais conforto e construiu auditório, biblioteca e sala de leitura, mesmo indo de encontro ao que determinavam as normas dos secretários de Educação que ela viu passar durante sua administração.  

Os professores de sua unidade nunca fizeram greve ou qualquer tipo de paralisação, mas eles não temiam a diretora, muito pelo contrário, sempre tiveram com Railda, como ela gosta de ser chamada, uma relação de respeito e admiração, e lamentaram a sua aposentadoria. Ela sempre considerou válidas e legítimas as greves por melhorias salariais, mas o olhar de quem realmente tem cor, não uma, mas todas que vão além do arco-íris, dizia que ao longo de tantos anos de magistério só viu o governo ganhar com elas. Se há greve, não é necessário liberar recursos ou merenda para os alunos, fica reduzida a folha de pagamento composta por salários já tão pequenos, economiza-se no consumo de luz e água e colocam-se os pais e a opinião pública contra os professores ao afirmar que “lugar de criança é na escola”.

Sobre o assunto, a professora sempre encerrava o seu raciocínio com a seguinte afirmação: “A única forma de mudarmos essa realidade é trabalhando com essas crianças agora, para que, no futuro, elas se conscientizem da importância que nós, professores, tivemos na construção de suas vidas. E quem sabe se aqueles que um dia se tornarem presidente, governador, prefeito ou deputado não irão garantir salários dignos aos professores, bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros...”.

* Luiz Carlos Sá, mestre em teoria literária e literatura brasileira, é professor da Universidade Estácio de Sá.