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O sujeito da relevância

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Ao longo de um pronunciamento carregado de simbolismo perante o Parlamento britânico, o Presidente Barack Obama se referiu diretamente ao Brasil por duas vezes no contexto dos Bric (Brasil, Índia, China e Rússia). A primeira para saudar o rápido crescimento brasileiro junto com a Índia e a China, num processo que havia “tirado centenas de milhões de pessoas da pobreza ao redor do globo”. A segunda para explicar que esse crescimento se devia ao fato desses países estarem se movendo “aos trancos e barrancos” no sentido dos princípios de mercado que os Estados Unidos e Inglaterra sempre adotaram. Na primeira colocação, Mr. Obama mencionou a criação de mercados e oportunidades, e antes que alguém pensasse: - para quem cara-pálida?, ele completou candidamente: “ - para nossas próprias nações”. 

Além da diferença entre crescimento e desenvolvimento, vale lembrar que as projeções do documento Dreaming with BRICs: The Path to 2050, do banco Goldman & Sachs, baseiam-se em modelo que vincula o crescimento do PIB ao crescimento do emprego, do estoque de capital e do fator total de produtividade, este último, no caso do Brasil e Índia, prejudicado por baixos níveis educacionais e pobre infra-estrutura. No caso do Brasil, o estudo condiciona a materialização dessas projeções à remoção dos obstáculos da menor abertura ao comércio (importações e exportações), do baixo investimento e poupança e das elevadas dívidas pública e externa. Com o endosso das políticas core de Robert Barro que vinculam o crescimento econômico a elevados nível escolar e de expectativa de vida, baixa fertilidade, menor gasto público, manutenção da lei, baixa inflação e melhorias no comércio, a “profecia” dos BRIC é na verdade um desafio formidável para o Brasil na segurança, educação, saúde e infra-estrutura.

Tem-se que o Brasil é um país pouco globalizado, porém importante para a globalização. Tudo indica que sim, dada a “relevância” que nos atribuem em diversos fóruns mundiais, mas nos deixa desconfiados diante de nossos problemas e contradições. Muito tempo depois de a explicação periférica sair de moda, conformamo-nos a uma periferia de industrialização sem capacidade tecnológica própria, distante das economias baseadas no conhecimento. Os fundamentos dessa sina já estiveram na nossa localização “nos trópicos”, depois numa incapacidade intrínseca à nossa cultura para o trabalho gerador de riqueza, em seguida como excluídos do Ocidente, para culminar recentemente na classificação como país emergente, brindado com a inclusão num acrônimo (BRIC) que reúne países que pouco tem a ver entre si de per se. É assim. Quem não pensa é pensado.

Emergentes são os mercados, não os países. Estes são relevantes ou irrelevantes segundo as coordenadas históricas de tempo, espaço e mudança num determinado estágio de sua existência. Vale lembrar que capitalismos existiram em várias formas, que o rei inglês no século XIII dependia de banqueiros italianos para guerrear, que no século XVI a América portuguesa e a Virgínia começaram a ser colonizadas nos mesmos padrões de época e que o Brasil se tornou viável graças à iniciativa privada e não a El-Rey, mas por vezes apesar dele, como muitos brasileiros suspeitam, por experiência própria, em pleno século XXI. Ao longo da História, governos governaram povos mais ou menos bem sucedidos em se organizar politicamente e produzir riqueza, e nunca foram ou serão mais do que isso.

Neste momento em que sopram soltos os ventos do capitalismo de estado que insuflam poucos a pensar felicidade de todos, seria bom se a sociedade brasileira pensasse por si própria sobre os caminhos que está trilhando.

Daí poderá vir a resposta se somos um mercado ou um país. 

* Historiador, é membro do CPE da UFJF, pesquisador de Segurança e Defesa do Cebri e responsável pela Clio Consultoria Histórica. Foi Delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.