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Um futuro para a educação

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A professora, diante de seus alunos, tirou da pasta um caderno escolar estampado com a figura da heroína Lara Croft, ícone sensual do início do século XXI. Em seguida, exibiu a gravura de um ídolo feminino do Neolítico. Em frente à pintura de uma dama do século XVII, ela começou então a explorar através das imagens as diferenças na representação da mulher ao longo de oito mil anos. Que disciplina ela ensinava? Pouco importa. O notável da cena ocorrida no Museu do Prado, em Madri, era a atenção com que os adolescentes acompanhavam a exposição, anotando ou levantando a mão para fazer suas perguntas.

 Cenas semelhantes se repetem no Louvre, na Museumplein em Amsterdam, nos museus em Berlim. Jovens são conduzidos pelos seus professores para aprenderem através de aulas vivas, na forma e conteúdo. Nas crianças menores, observa-se uma sadia mistura de competição e cooperação, alvoroçando-se quando encontram nos expositores as peças que vão lhes permitir responder seus questionários. Em outros museus, de época ou específicos, como Cluny e La Cité, são estudantes mais maduros os observados perambulando entre relevos e relíquias, fazendo suas anotações. 

Qualquer que seja a área a que tais jovens irão se dedicar no futuro, é razoável prognosticar profissionais com uma noção de conhecimento ampla, bem estruturada e sem barreiras formais, sendo por aí possível compreender o estágio de desenvolvimento integral (BUNGE) daquelas sociedades. Claro está que aqui se privilegiou a vertente histórica, ancorada na referência cronológica e espacial da produção cultural. Outras são possíveis, no corte científico ou social. Sociedades de países maiores, como os Estados Unidos, na impossibilidade de fazerem peregrinar seus alunos aos centros culturais, trazem-nos às salas de aula, pela literatura e arte.  São os pilares da construção educacional em cada indivíduo. 

Diante deste testemunho, cabe refletir sobre o que assistimos em nosso país.  Não se trata de uma comparação, incabível nesta nossa idade histórica de imensas carências. Trata-se sim do caminho para superá-las, partindo-se da premissa de que a situação em que nos encontramos é inaceitável. Tampouco é elitismo, pois elitista é a naturalidade com que a nossa sociedade, de alto a baixo, encara o escapismo da disfuncionalidade do sistema educacional brasileiro, com alguns privilegiados que enviam seus filhos para estudarem no exterior ou em nichos temporários de excelência no país. O resultado está aí. Uma elite pequena, que produz pouco conhecimento e prefere copiá-lo ou adaptá-lo, mal. Uma sociedade que não privilegia o conhecimento e se limita a consumi-lo, sem noção de valor. Hoje, tudo escamoteado numa miríade de estatísticas que se mostra absolutamente insuficiente para indicar o caminho da superação do nosso déficit educacional.

A questão é qualitativa e não quantitativa, nunca é demais repetir, à exaustão. É preciso conceber uma política de transformação da sociedade brasileira baseada no conhecimento, alinhando-o à educação e pesquisa, em todos os níveis escolares. Só assim será possível fazer os alunos irem à escola para aprender e os professores lá estarem para ensinar. Tão simples quanto pedir a um aluno do ensino médio que escreva uma página sobre o que acabou de aprender. Quem se habilita?

Se quisermos um futuro para a educação, é preciso reverter a catástrofe.

 

* Historiador,  membro do CPE da UFJF, pesquisador de Segurança e Defesa do CEBRI, colaborador do CEE da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e responsável pela Clio Consultoria Histórica. Chefiou a Seção de Ensino de Geografia e História Militar e coordenou a Modernização do Ensino da Academia Militar das Agulhas Negras. Foi Delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.