ASSINE
search button

O Brasil sem história

Compartilhar

“O povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la” - é reflexão muito conhecida que lamentavelmente se aplica perfeitamente ao Brasil, porque a sociedade brasileira desconhece significativa parcela da história contemporânea nacional dos últimos 60 anos. Como “a história é contada pelos vencedores”, evidentemente existem duas. A história oficial é a versão dos vitoriosos, doutrinariamente disseminada à sociedade, especialmente aos jovens. Porém, é a história verdadeira que os cidadãos deveriam se empenhar em conhecer. Contudo, pior que um país que não conhece a própria história é um país que a perdeu, e o Brasil é um infeliz exemplo dessas duas tragédias.  

As informações divulgadas sobre o período obscuro do país denominado “anos de chumbo” - ou seria “período da subversão?” - são originalmente tendenciosas. E sobre ele, nosso país é incapaz de contar até mesmo a história oficial. Quanto a isso, governos militares e civis nada fizeram, pois essa é uma verdade que os compromete indistintamente. Não por acaso, assistimos há décadas a total ineficiência dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, e do Ministério Público em abrir os “arquivos da ditadura”, blindados na “caixa-preta” dos serviços de inteligência nacionais.

Apagar o passado é muito mais difícil que contá-lo, e vivemos num Estado constituído vencido pelo medo daqueles que “desaconteceram” a história nacional, pelo muito que têm a esconder, a temer e a pagar, por crimes cometidos da maior gravidade. Portanto, a esperança da sociedade brasileira em conhecer a sua própria história não mais se tornará realidade, pois a verdade é que as ossadas dos desaparecidos políticos foram alvos de ações clandestinas cirúrgicas, e tudo o que o país deveria saber sobre esse passado foi criminosamente destruído.

Mas subsiste a disputa fratricida das versões. Assim, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República do governo Lula lançou o livro Direito à memória e à verdade. Em contrapartida, setores de uma direita pusilânime sem rosto tenta revelar um desacreditado dossiê de codinome “Orvil” - outrora um dos mais secretos e poderosos instrumentos do arsenal de guerra política da cúpula desses serviços de inteligência.

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou os efeitos da Lei de Anistia de 1979, premiando criminosos com a impunidade. Atualmente, a presidenta Dilma Rousseff enfrenta antagonismos protagonizados pelos comandantes militares  e a cúpula das Forças Armadas; indisfarçavelmente contrários à criação da Comissão Nacional da Verdade, destinada à investigação dos crimes ocorridos nesse período, temerosos de que essa iniciativa esteja a propósito de obscuras retaliações.

A verdade é que o Brasil sem história já está revivendo seus próprios erros e caminha às cegas em sua ignorância incapaz de distinguir cidadãos de criminosos. Nossa história recente é um livro de páginas arrancadas, literalmente trituradas, incineradas e lançadas ao vento; que nossos legítimos governantes pretendem resgatar, conquanto tardiamente. Se nosso país perdeu definitivamente a sua história verdadeira, resta à inepta sociedade brasileira conformar-se com a construção de uma história oficial. Afinal, ao menos saberemos quem são os vencedores.

 

*André Soares é autor do livro 'Operações de inteligência - Aspectos do emprego das operações sigilosas no Estado democrático de direito', é diretor-presidente de Inteligência Operacional.