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Reforma política necessária

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        O Brasil necessita urgentemente de uma reforma política, o que implica a revisão das instituições políticas fundamentais, de sua organização, de suas atribuições e das disposições que regulamentam o seu funcionamento. O que ninguém razoavelmente esclarecido ignora é que existem beneficiários dos vícios e falhas que hoje impedem ou dificultam a implantação e a prática das normas e dos princípios característicos do Estado democrático de direito.

        Esses beneficiários estão ocupando postos no setor público, ou atuam no setor privado mas interferindo no desempenho das instituições e muitas vezes prejudicando o interesse público para assegurar benefícios e vantagens para indivíduos ou grupos sociais privilegiados. Por tudo isso, faz-se necessária uma reforma política substancial, que deve ser feita mediante o debate público, amplo, sereno e objetivo, livre de qualquer espécie de coação ou de restrição, das propostas de mudança. Nessa discussão deverão ser considerados os aspectos éticos, políticos e jurídicos, buscando-se a implantação de uma sociedade justa, livre e democrática. Isso não significa ignorar a história e os valores consagrados pela tradição, mas também não deve  implicar a recusa de eliminar vícios antigos e tradicionais, protetores de privilégios e injustiças, só por respeito à antigüidade.

            Um exemplo da necessidade de substancial mudança política é o Senado da República, que por sua organização e composição e por seu funcionamento apresenta falhas, vícios e desvios que devem ser apontados e discutidos com serenidade, objetividade e sem preconceitos ou temores, para o aperfeiçoamento da instituições políticas brasileiras. O Senado, como existe desde o século 18, foi uma criação dos representantes das 13 ex-colônias inglesas da América do Norte, quando, em 1787, inventaram a Constituição escrita, documento político-jurídico fundamental, no qual, entre outros pontos básicos, definiram a organização do poder governamental, buscando um governo forte mas sem o risco de totalitarismo. Para tanto adotaram a separação dos poderes, com Legislativo, Executivo e Judiciário, e, como informo em meu livro  A Constituição na vida dos povos, os delegados dos estados da região sul, cuja economia se baseava fortemente no trabalho escravo, exigiram a criação de uma segunda Casa Legislativa, que impedisse o que foi expressamente referido como «excessos democratizantes» dos deputados. Um projeto só teria a força de lei depois de aprovado nas duas Casas. Para isso foi criado o Senado, e graças a esse artifício a escravidão foi mantida por mais 80 anos nos Estados Unidos.

            Tudo isso deve ser lembrado quando se começa a discussão sobre a reforma política no Brasil. O Senado tem sido, tradicionalmente, um reduto de oligarcas, embora com exceções, havendo regras de composição e funcionamento que ocultam seus aspectos negativos. Assim, por exemplo, junto com cada senador é eleito um suplente vinculado a ele, e, no entanto, os eleitores, na sua ampla maioria, não têm a mínima ideia de quem seja o suplente para o qual estão dando o seu voto. E este, como já tem sido revelado pela imprensa, é, com muita frequência, um financiador da campanha eleitoral do candidato a senador ou um familiar deste. E já se tem noticiado a existência de acordos  para que o senador se licencie por algum tempo para dar ao suplente a oportunidade de assumir  e exercer o mandato, além de que a simples condição de suplente de senador já abre a possibilidade de influência sobre as decisões do Executivo que são de interesse pessoal do suplente ou de suas empresas.

            As notícias e os comentários enfocando a recente decisão do Senado sobre o novo salário mínimo deixaram patentes alguns vícios. A começar do fato de que a votação de uma proposta que poderia ter influência no resultado final não foi nominal, não sendo do conhecimento da imprensa nem do povo a posição de cada senador na votação da matéria. E isso já aconteceu muitas vezes, ocultando-se do povo um dado de grande importância, que é a posição do senador em relação a determinada matéria de interesse público. Isso é de importância fundamental para que seja avaliada a fidelidade do representante a suas promessas eleitorais e ao programa do partido a que está filiado, estando também aí um indicador da verdadeira motivação da posição por ele adotada.

        Embora teoricamente se diga que os senadores são representantes dos estados enquanto os deputados representam o povo, na realidade é o povo quem elege os senadores e seus suplentes, e eles, no exercício do mandato, tomam decisões de grande importância em nome do povo e sempre implicando consequências sobre direitos, que são sempre de interesse público, ou seja, de interesse de todo o povo. Por tudo isso, tomando como exemplo as imperfeições do Senado, que é uma peça importante do sistema político, e tendo em conta que já foi iniciada a discussão sobre a reforma política, é oportuno, e mesmo necessário, que a imprensa esteja atenta ao que ocorre no Senado e nas demais instituições, transmitindo ao povo as informações básicas, com imparcialidade e objetividade, para que o povo tenha a possibilidade de ser um participante ativo da construção de um sistema institucional verdadeiramente democrático.

* Jurista