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Natureza da tecnologia

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Se algo é bom para um indivíduo ou grupo, quanto mais desse algo houver, melhor será?

Aqui o todo é identificado com a soma das partes e ignora-se o fato de que ele pode ser mais ou menos do que essa soma, dependendo da interferência mútua entre as partes.

        Hoje, quer o problema seja de natureza ecológica ou social, a primeira reação é abordá-lo aplicando ou desenvolvendo alguma nova tecnologia. O envenenamento do meio ambiente natural é remediado pelo desenvolvimento de tecnologias especiais que, por seu turno, afetam o meio ambiente de forma ignorada; o caos no trânsito das grandes cidades é contornado mediante a construção de mais vias expressas, que rapidamente serão ocupadas por mais carros...

        O que pagamos por esse estado de coisas é a degradação da qualidade de vida – o ar que respiramos, o alimento que comemos, o meio ambiente onde vivemos e as relações sociais que constituem a tessitura de nossas vidas. Ao procurarmos soluções tecnológicas para todos os problemas, limitamo-nos a transferi-los de um ponto para outro no ecossistema global e, com frequência, os efeitos colaterais da suposta solução são ainda mais perniciosos do que o problema original.

        O crescimento tecnológico é considerado tanto a solução para os nossos problemas como o fator determinante de nosso estilo de vida, de nossas organizações sociais e de nosso sistema de valores. Muitos dos problemas sociais e econômicos atuais têm suas raízes nos dolorosos ajustamentos de indivíduos e instituições aos valores em transição de nossa época.

        Setores em que a propriedade intelectual constitui o fator determinante de valor - tecnologia da informação por exemplo - são dominados por um punhado de empresas, que também concentram a maioria das patentes. Embora não existam regulamentos globais de caráter compulsório, em muitos países uma indústria só pode funcionar depois que os inspetores de segurança  aprovam suas instalações. Se o modo como tal indústria opera for considerado inseguro, recebe um aviso: ou muda imediatamente de procedimento, ou tem de fechar. Se violar as regras, será multada; em alguns países, se as violações forem reiteradas ou se a empresa expõe os funcionários, vizinhos ou clientes a graves riscos, perderá licença, e seus diretores poderão ser processados.

        Embora as economias das nações tentem impedir que as empresas conquistem mais do que uma porção de um determinado setor econômico, no nível global essas restrições não existem, e o resultado é que o comércio internacional é dominado por algumas empresas. Também acontece que empresas envolvidas em operações de risco no exterior em geral agem por meio de terceiros, não raro utilizando outro nome quando fazem transações. Tão logo se deparam com uma dificuldade - por exemplo, quando recebem ordens de um governo para reparar os danos decorrentes da poluição que causaram - retiram os ativos do país.

        Empresas sujeitas a regulamentos internacionais - bastaria que aplicássemos ao comércio internacional as regras já existentes destinadas a impedir os monopólios nacionais - teriam de assumir os crimes que cometeram, de dar um jeito no caos que geraram. A complexidade de nossos sistemas tecnológicos atingiu tal ponto que muitos desses sistemas já não podem ser modelados ou administrados adequadamente; de fato consome-se mais tempo mantendo e regulando sistemas do que fornecendo  serviços confiáveis. O que dizer da operação do sistema elétrico de noss país?

        Nossa atenção foi excessivamente concentrada em tecnologias complexas e consumidoras de recursos. Por serem mais adequados à administração centralizada do que à aplicação por indivíduos ou pequenos grupos, os sistemas tecnológicos tornaram-se profundamente antiecológicos e antissociais. 

        Urge uma redefinição da natureza da tecnologia, uma mudança de sua direção e uma reavaliação do seu sistema subjacente de valores. Precisamos de tecnologias que promovam a cooperação, os acordos, a resolução de conflitos e, sobretudo, a redistribuição da riqueza.

 

* Engenheiro