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Benito Barreto reconta a Inconfidência

Como sempre a mídia fez com esse autor, seus romances ganham uma notinha aqui, outra ali

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Jantávamos no Copacabana Palace, ano passado, quando a Universidade Estácio de Sá concedia o título de doutor honoris causa ao professor e estadista português José Manuel Durão Barroso. De repente chega Ziraldo, meio perdido, e me pede para arranjar-lhe um lugar. Deixo minha mesa e o acompanho até onde está o escritor e prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos. Fico lá algum tempo e, quando volto a meu lugar, ele já tinha sido ocupado.

João Barroso, primo do homenageado e diretor de Relações Institucionais da Estácio, me arruma outra mesa, onde está o empresário Flávio Teruszkin, do grupo de mesmo nome, casado com a Miss Brasil 1958, Adalgisa Colombo, que, no Miss Universo daquele mesmo ano, ficou em segundo lugar, depois de um empate com a colombiana Luz Marina Zuluaga. Adalgisa Colombo foi a miss que mais frequentou as capas das revistas Cruzeiro e Manchete.

A conversa com o prefeito de Ouro Preto foi sobre o prefácio que ele fez a Bardos & viúvas (Editora Casa de Minas, 462 páginas), romance de Benito Barreto ambientado na Inconfidência Mineira. Como sempre a mídia fez com esse autor, seus romances ganham uma notinha aqui, outra ali, uma citação alhures, mas nem sombra dos latifúndios concedidos a outros autores que nem de longe têm a importância, a relevância e a referência solar que a obra de Benito Barreto é para a literatura brasileira.

São mistérios da mídia. Já fizeram o mesmo com outros autores, seja qual for o gênero. Até agora, Os guaianãs, conjunto de quatro romances sobre uma inventada e arrebatadora guerrilha rural nos sertões de Minas Gerais e da Bahia, foi lido por poucos.

No Brasil, quem mais se ocupou de reconhecer o talento de Benito Barreto foi José Hildebrando Dacanal, hoje professor aposentado da UFRGS. Foi ele quem fez com que o editor Roque Jacoby, depois secretário da Cultura do estado, no governo Germano Rigotto, lançasse os quatro romances reunidos naquele título. E em fins do ano passado a União Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro, deu-lhe o Prêmio João Felício dos Santos por Bardos & viúvas, como o melhor romance histórico do ano. O galardão lhe foi entregue na Academia Brasileira de Letras.

Sempre polêmico, Dacanal diz num dos prefácios a Bardos & viúvas que “os gaúchos falam demais sobre o seu passado” e “criaram um passado que nunca existiu”, ao passo que “os mineiros talvez falem menos” e “esqueceram um passado que realmente existiu”.

O poeta, cronista e professor Affonso Romano de Sant’Anna surpreendeu-se, em sua visita ao Irã, quando um guia turístico ia contando a história do país referindo em todos os relatos algum trecho de escritores persas dos vários períodos da rica literatura daquele país. Lá os escritores estavam na boca do povo, até mesmo dos guias turísticos.

Parece que vamos demorar um pouco mais. Contudo, nosso dia chegará. Talvez. Que chegue o dia em que autores como Benito Barreto não sejam acepipes literários degustados por tão poucos.

*Deonísio da Silva, escritor, é professor e doutor em letras pela USP, além de pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio.