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Celebração da paz – 2010

Não somos livres para praticar o mal. Se o fizermos, incorreremos na condenação divina

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A 1º de janeiro de 2011 celebramos o 44° Dia Mundial da Paz. Tais comemorações tiveram início em 1968, instituídas pelo papa Paulo VI, com o objetivo educacional, a saber, dentro de uma perspectiva religiosa, servir de fundamento à concórdia entre os homens. Para este ano de 2011, foi escolhido o tema Liberdade religiosa, caminho para a paz.

Considero salutar apresentar alguns trechos dessa mensagem do papa Bento XVI para semear nos corações de todos o desejo de uma reflexão maior acerca do que se verifica no mundo quanto à limitação ou negação da liberdade, de discriminação, marginalização, perseguição e violências, principalmente no âmbito da fé.

O santo padre começa sua mensagem com uma triste constatação: “(...) em algumas regiões do mundo, não é possível professar e exprimir livremente a própria religião sem pôr em risco a vida e a liberdade pessoal. Noutras regiões, há formas mais silenciosas e sofisticadas de preconceito e oposição contra os crentes e os símbolos religiosos. Os cristãos são, atualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé” (nº 1). As palavras do papa nos fazem refletir sobre algo que nunca deveria existir, pois é inconcebível que se suprima a fé para ser um cidadão ativo. Não se pode permitir isso, afirma o papa, “porque constitui uma ofensa a Deus e à dignidade humana; além disso, é uma ameaça à segurança e à paz e impede a realização de um desenvolvimento humano autêntico e integral” (idem).

São Paulo escreve: “Irmãos, fostes chamados à liberdade” (Gl 5,1). Ela nos caracteriza como filhos do Altíssimo. Marca nossa condição de seres humanos. Aliás, na época atual, cresce a consciência dessa qualidade básica, sem a qual nós não nos realizaremos como indivíduos ou membros de uma comunidade.

Esta verdadeira ânsia que nos faz reagir até quando algo aparenta limitações a este direito tem efeitos diversos. No sentido autêntico, constrói um mundo livre e é o alicerce da sociedade; quando erroneamente confunde o real significado com abusos, destrói a ordem, necessária ao bem comum. Os limites existem e, quando transpostos, é ameaçado o relacionamento com o Senhor e os semelhantes.

No caso da religião, segundo Bento XVI, “entre os direitos e as liberdades fundamentais radicados na dignidade da pessoa, a liberdade religiosa goza de um estatuto especial. Quando se reconhece a liberdade religiosa, a dignidade da pessoa humana é respeitada na sua raiz e reforça-se a índole e as instituições dos povos. Pelo contrário (...), acabam ameaçadas a justiça e a paz, que se apoiam sobre a reta ordem social construída à luz da Suma Verdade e do Sumo Bem” (nº 5).

O Concílio Vaticano II nos ensina que Deus quis “deixar ao homem o poder de decidir”, para que destarte procurasse espontaneamente seu Criador, a ele adira livremente e chegue à perfeição plena e feliz. E acrescenta que o homem consegue essa dignidade quando, liberado de todo cativeiro, caminha para seu fim pela escolha livre do bem.

A propósito do tema do Dia Mundial da Paz podemos apreciar, num âmbito mais amplo, a acepção da palavra liberdade. Ela pede uma autêntica interpretação. O primeiro passo é clarificar as ideias. Assim, por exemplo, não somos livres, como prerrogativa nossa, para praticarmos o mal. Se o fizermos, incorreremos na condenação divina e da lei do homem. Esta tem por dever punir, coibir através da legislação justa. Caso contrário, semearão ventos e colherão tempestades.

Lemos, em São Paulo, um lúcido esclarecimento: “Tudo lhe é permitido, mas nem tudo edifica. Por isso, tomai cuidado para que essa liberdade não se torne ocasião de queda para os fracos” (1Cor 6,12; 8,9). Somos livres, portanto, se cumprimos os mandamentos de Deus e dos homens. Infringi-los é abusar de um privilégio, deturpando-o e arrostando com as consequências do foro divino e humano. “Uma liberdade hostil ou indiferente a Deus acaba por se negar a si mesma e não garante o pleno respeito do outro. Uma vontade que se crê radicalmente incapaz de procurar a verdade e o bem não tem outras razões objetivas nem outros motivos para agir senão os impostos pelos seus interesses momentâneos e contingentes” (nº 3).

Na celebração do Dia Mundial da Paz, verifiquemos se a liberdade, no seu sentido verdadeiro, está sendo respeitada por nós. Isto é indispensável à paz. Bento XVI convida todos os homens de boa vontade, entre os quais de maneira especial os fiéis, a colocar a liberdade, em todos os âmbitos, a serviço da paz. De sua compreensão correta e da aplicação nos vários setores da vida humana muito depende o bem comum, pois uma casa precisa de fundamentos sólidos.

Dom Eugenio Sales

*Arcebispo emérito do Rio