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Marcos Junqueira: 'Sarampo volta via Venezuela'

Movimentos anti-vacina europeus também influenciam na volta de doenças virais

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Infectologista há 34 anos, o professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Marcos Junqueira, alerta para a volta do sarampo e de outras doenças provocadas por vírus no Rio de Janeiro. Segundo conta, dois fatores associados têm sido responsáveis pelo fenômeno: o boicote feito pelos movimentos anti-vacina, influenciados pelos europeus, além da proximidade com a Venezuela, país que passa por grave crise, com surto de sarampo. Junqueira faz um apelo para que a população não fuja da agulha: “Nossas vacinas são muito seguras. O resto é falta de informação”. 

Só no início deste ano vivenciamos a volta, no Rio, de duas graves doenças provocadas por vírus, como sarampo e a febre amarela. É uma coincidência ou há falhas na cobertura vacinal? 

Temos vacinas totalmente eficazes contra o sarampo e também contra a febre amarela. No caso da primeira doença, como sua transmissão é feita diretamente de uma pessoa para outra, conseguiríamos exterminá-la caso toda a população mundial fosse vacinada. Isso é tentado desde a década de 70, mas não foi alcançado. Sempre restaram alguns pequenos grupos com a doença no mundo. No Brasil, temos esses casos muito controlados desde a década de 90. Em 2005, houve surto de sarampo no Nordeste. A doença foi trazida pelos turistas europeus. Isso tem muito a ver com o que está acontecendo esse ano. 

Como assim? 

Desde 1998, vem crescendo, na Europa, um movimento anti-vacina, que foca principalmente a tríplice viral (vacina contra sarampo, rubéola e caxumba). Essas pessoas acham que essa vacina poderia estar relacionada ao autismo. A questão começou com um artigo publicado em 1998, na revista científica “The Lancet”, que identificou uma relação entre a vacina e o autismo em crianças. No entanto, depois da publicação, vários outros pesquisadores sérios e independentes fizeram a mesma avaliação em estudos diferentes e todos eles chegaram à conclusão de que esta relação não existia. Depois disso, um dos autores do artigo da “The Lancet” foi processado pela Academia Inglesa de Medicina, porque descobriu-se que ele manipulou dados. Isso foi tão sério que o artigo foi retirado da revista. No entanto, a crença de que não se devia tomar a vacina se perpetuou. As pessoas continuaram com os movimentos anti-vacina. Desde a década de 90, isso vem tomando muita força e também chegou ao Brasil. Por lá, esse movimento gerou um surto de doenças com 17 mil casos só no ano passado. Isso impacta todos os outros países do mundo. É crescente o número de pessoas que não se vacinam no Brasil. Aliado a isso, temos um país vizinho, como é o caso da Venezuela, que vive uma crise séria e tem seu sistema de imunização prejudicado. O sarampo que nos assola hoje está vindo de lá. 

E como está o sistema de imunização do Brasil neste contexto? E o Rio de Janeiro? 

Se há uma coisa que a gente pode elogiar no Brasil, é o sistema de imunização. Não tenho dúvida em dizer que temos o melhor sistema entre os países não-desenvolvidos e bem melhor do que vários desenvolvidos. Além disso, temos excelentes redes de distribuição de vacinas, aplicação e produção em grande quantidade. A Fiocruz, aqui no Rio, e o Instituto Butantã, em São Paulo, produzem quase todas as vacinas aplicadas. São vacinas seguras. Não há razão para evitá-las.  O Rio, certamente, não terá um surto de sarampo. Deve gerar preocupação, mas tudo depende de a população se vacinar nessa campanha que está sendo feita. Quando o índice de cobertura contra o sarampo chega a 90,  95%, ele não consegue mais penetrar na cidade.

E a febre amarela? Só este ano tivemos mais de 70 mortes provocadas pela doença no Rio...

Não temos febre amarela urbana no Rio de Janeiro, nem em outra cidade brasileira. Repito: temos uma vacina muito eficaz contra a doença. Essas evidências de febre amarela são de versão silvestre. Apesar da vacina,  é uma doença que não conseguimos erradicar. Isso porque existe um ciclo desse mesmo vírus, que é o silvestre, circula entre o macaco,  o mosquito aedes aegypti e o ser humano. Não tem como acabar com a doença exatamente por conta do macaco. Neste momento, a febre amarela não representa um risco porque já vacinamos uma boa parte da população das áreas de risco. A vacinação é fundamental. Sem ela, aí sim, teremos uma proliferação desenfreada de todas essas mazelas. 

E o que podemos esperar de prevenção contra zika e chikungunya, já que tais doenças ainda não têm vacinas desenvolvidas para seu combate? 

A vacina contra a zika está em estágio avançado de desenvolvimento. O fato é que com a maior migração, essas duas doenças se espalharam da Ásia e da África para o resto do mundo. Apesar de menos graves do que o sarampo e a dengue, as duas também são muito sérias. Podem matar e deixar sequelas. A zika com a questão da transmissão congênita, é uma desgraça. Temos um monte de criança com microcefalia por conta disso. E a chikungunya tem a questão da incapacidade que ela provoca. A pessoa, às vezes, fica seis meses sem conseguir fazer absolutamente nada, tamanha a dor que a doença provoca. 

E a dengue? Há nova vacina sendo desenvolvida para combater a “doença quebra ossos”? 

A vacina que temos hoje é de suma importância, mas serve apenas para reduzir a gravidade da doença. Não se trata de uma vacina capaz de erradicá-la, só ameniza os sintomas. Exatamente por isso há novas vacinas para dengue sendo pesquisadas. A Fiocruz, por exemplo, está tentando desenvolver uma mais eficaz. Há um projeto, inclusive, de espalhar mosquitos da espécie aedes aegypti não infectados em vários lugares da cidade, de modo a exterminar os já infectados. Mas isso ainda está em andamento. É preciso frisar que ninguém precisa ter medo de ser vacinado. Nossas vacinas são muito seguras, o resto é falta de informação.