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Secretaria de Segurança lança app para orientar agentes sobre abordagem a grupos vulneráveis

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Abordada por PMs num ponto de ônibus perto da Fiocruz, em Manguinhos, na Zona Norte do Rio, em julho do ano passado, a assistente administrativa Amanda Castro, de 27 anos, sofreu a maior humilhação de sua vida. Única abordada do grupo que estava, a transexual, alegou que deveria ser revistada por uma policial mulher, como indica a lei, e acabou alvo de deboche dos PMs. Chamada pelo nome de batismo, e não pelo nome social, foi obrigada a ficar nua. Na delegacia, o caso sequer foi registrado, sob alegação de falta de provas.

O episódio vexatório revela o despreparo de alguns agentes para abordar grupos classificados como “vulneráveis”, como a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). De olho nisso, a Superintendência de Valorização e Prevenção da Secretaria de Segurança do Rio criou um aplicativo de celular que padroniza o tratamento que as polícias militar, civil e a Guarda Municipal devem usar com seis grupos distintos. Batizado de “ValoraSeg”, o sistema faz parte das ações do plano estratégico de 2015 a 2018 elaborado pela Secretaria e unifica os chamados “procedimentos operacionais padrão”, para os segmentos “Crianças e Adolescentes”, “Idosos”, “LGBTs”, “Mulheres”, “Discriminação Racial” e “Intolerância Religiosa”. 

A ferramenta está em fase de testes pelos agentes do 2º Batalhão da Polícia Militar (Botafogo), da 9ª Delegacia Policial (Catete) e da 10ª Delegacia Policial (Botafogo), além de guardas municipais que atuam em oito bairros da Zona Sul (Catete, Cosme Velho, Flamengo, Glória, Laranjeiras, Botafogo, Humaitá e Urca). Pode ser usada on-line ou off-line, como um e-book, e será expandida para os agentes de todo o estado ainda este ano. Sem custo para o governo, foi doada pelo Itaú e desenvolvida por uma startup de São Paulo. 

O tom é didático. O conteúdo inclui a definição para termos como “racismo”, “orientação sexual” e “nome social”, para facilitar o trabalho dos servidores. O aplicativo indica também como a vítima ou suspeito devem ser tratados e quais os órgãos para onde devem ser encaminhados. Traz ainda a tipificação de crimes como “racismo”, “feminicídio” e contra a população LGBT, para coibir a subnotificação desses tipos de ocorrências.

“O app vem para cumprir uma falha do treinamento policial. Só quando o agente entra na corporação é que se tem esse tipo de informações. Depois, o estado não mantém a formação deles. É uma ferramenta que minimiza o problema”, avalia o delegado Orlando Zaccone, que participou de cinco dos seis grupos formados no segundo semestre do ano passado para decidir como seria a ferramenta.

Comandante do 2º BPM (Botafogo), área onde o app já está sendo usado pelos PMs que patrulham as ruas, o tenente-coronel Carlos Henrique também acredita que a ferramenta seja fundamental para atualizar a formação das polícias: “Tivemos muitas mudanças de legislação. O aplicativo será um orientador, porque os PMs ainda não dominam isso. Na verdade, já deveriam ter a capacitação na sua formação. Alguns até têm, por conta dos cursos oferecidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Mas não são todos, porque esses cursos não são obrigatórios. Na nossa área, por exemplo, temos a Glória, reduto de travestis, que reclamam muito das abordagens policiais”.

A ferramenta ensina que transexuais e travestis deverão ser chamados, exclusivamente, por seu nome social. “Em todos os casos, não repita em voz alta o nome do registro civil da pessoa abordada, caso este seja diferente do nome social informado”, indica o conteúdo. Quando da ocorrência de violência contra a mulher, o ValoraSeg explica  que trans e lésbicas também devem ser incluídas nessa categoria e aponta quais os casos em que devem ser aplicadas as medidas protetivas, listando endereços de centros de referência e acolhimento. 

Subsecretária de Educação, Valorização e Prevenção e responsável pelo projeto, a delegada Helena de Rezende, destaca esse aspecto: “Ao lidar com a polícia, ninguém pode ser revitimizado. Por isso, a importância de se usar o nome social na abordagem”. Ela também defende a importância da ferramenta para traçar um raios-X sobre os crimes contra a população vulnerável. “É importante que os crimes sejam registrados com suas devidas qualificações. Feminicídio não pode ser registrado como homicídio. Intolerância religiosa não pode ser registrada como briga de vizinhos. E por aí vai”, explica a delegada, confirmando que há subnotificações de crimes contra grupos vulneráveis no estado. Ela prevê que haja um aumento no número desses registros com o passar do tempo. Não por uma maior ocorrência de casos, mas pela redução das subnotificações. 

Coordenador do Programa Rio Sem Homofobia, Ernani Alexandre cobra a expansão da ferramenta para as áreas mais afastadas da capital: “Tem que chegar logo na Baixada, onde temos inúmeros relatos de tratamento truculento. Em 2015, iniciamos uma capacitação nos batalhões, mas foi só naquele ano. Não dá pra ficar só na Zona Sul”.